Professor com 24 anos de carreira é avisado da demissão por uma janela pop-up: 'Visto como um custo'
15/10, Dia do Professor: engenheiro naval que se dedicou à docência foi um dos milhares de demitidos no ensino superior privado brasileiro durante a pandemia da Covid. Professor Rodrigo Mota Amarante, 44 anos, que dava aula para as turmas de engenharia da Uninove, mas foi demitido durante a pandemia.
Arquivo Pessoal
O engenheiro naval Rodrigo Mota Amarante, 44 anos, passou quase todas as últimas duas décadas e meia dando aulas, do ensino fundamental à pós-graduação. Pelo seu quadro negro passaram fórmulas de química, física e matemática e temas envolvendo vibrações dos materiais e mecânica dos fluidos.
Ele não ficou a salvo dos impactos da crise econômica na educação, intensificados pela chegada do coronavírus. Amarante foi um dos milhares de professores demitidos no ensino superior privado durante a pandemia.
A carreira, que começou meio “sem querer” ao cobrir a aula de uma professora de cursinho em 1996, teve uma interrupção abrupta em 22 de junho deste ano.
“Quando entrei no sistema, já apareceu lá o ‘pop-up’ [janela que abre no navegador]: você está desligado”, conta. “É frio demais. O semestre não tinha acabado, teve colegas que não conseguiram nem colocar as notas no sistema”, relata.
Pop-up em sistema de aulas de universidade indicou a demissão do professor
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Expansão do ensino remoto
Para Amarante, a demissão foi o resultado de um processo que já estava correndo nos bastidores do ensino superior privado.
Em dezembro de 2018, o Ministério da Educação (MEC) editou uma portaria que permitia às universidades montar currículos de cursos presenciais com até 40% da carga horária em atividades a distância.
O ensino remoto em todos os cursos, sem limites na carga horária, foi estendido até dezembro de 2021 por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), que assessora o MEC nas políticas educacionais.
Com isso, é possível reunir turmas em um mesmo ambiente virtual. Onde antes eram necessários dois ou três professores, por exemplo, agora basta um.
“O professor foi visto como um custo. As particulares já estavam querendo expandir o ensino a distância mesmo antes da pandemia e, quem ficou dando aula, conta que agora tem 200 alunos nas salas virtuais. Como ensinar em um ambiente assim? Como tirar dúvidas?”, afirma o professor Rodrigo Amarante.
“As universidades encheram as salas e demitiram professores”, conta.
Amarante conta que houve redução das horas de trabalho dos professores, para cortar salários. Quem tinha quatro horas de aulas por dia, por exemplo, passou a ter três. Ele afirma ter se recusado a assinar uma carta dizendo que concordava com a redução. Meses depois, foi demitido.
A Uninove, em nota, afirma que as “aulas telepresenciais estão acontecendo com boa avaliação de professores e alunos, com smartphones e banda larga para todos professores e chip de 20 giga para alunos como benefício” e que “integralmente as orientações definidas para o sistema federal de ensino, proferidas pelo Ministério da Educação – MEC”.
Menos um professor
“O Brasil não valoriza o professor. É só ver nas greves, como ele é tratado. Falam: ‘está bloqueando o trânsito’, ou ‘isso é coisa de comunista'”, conta.
“Os alunos perguntam: professor, você trabalha além de dar aula?”, fala, sorrindo. Para ele, entre as frases sobre a carreira que mais o magoa é: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina”.
“É o contrário”, defende Amarante. “Quem sabe é quem ensina.”
Amarante fez graduação, mestrado e doutorado em engenharia naval, além de pós-doutorado em engenharia mecânica pela USP.
Mas o mercado de trabalho para professores apresenta desafios. Os concursos nos quais estava inscrito foram cancelados ou suspensos. Nas instituições particulares, há cortes de vagas e os salários estão cada vez menores.
Além da docência, ele trabalhava com análise de projetos de navios ou plataformas e avaliava se uma estrutura era estável para ser submetida aos ventos e às ondas do mar. Também testava ou simulava ideias que nunca foram implementadas.
“Não pretendo voltar a atuar como professor nos próximos anos. Vou usar o que sei em uma nova profissão: cientista de dados.”
Ele afirma que conseguiu se recolocar e obteve uma remuneração quatro vezes maior do que como professor.
Para ele, a ideia de que o professor tem amor pela profissão só atrapalha.
“O primeiro ponto para entender que professor é importante é parar com a ‘glamourização’ da profissão, se não é muito fácil o empregador pagar um salário baixo porque ‘o professor adora o que faz'”, reflete.
“A paixão do professor é papo de 15 de outubro. Virou marketing.”
Quanto custa um professor
Rodrigo Amarante, 44 anos, dando aula na graduação de uma universidade privada em SP.
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Dos 384,4 mil professores do ensino superior do Brasil, 210,6 mil (54,7%) dão aulas em universidades, faculdades ou centros universitários particulares pelo país. Outros 173,8 mil (45,2%) estão na rede federal.
Considerando as duas redes, a maior parte (89,3 mil) leciona em meio período. Outros 57,8 mil têm contratos por tempo integral, e 63,3 mil, por hora.
Na rede federal, o salário base de professores com dedicação exclusiva vai de R$ 4,4 mil para quem não tem mestrado a até R$ 20,5 mil para aqueles com doutorado, segundo a Andifes.
Já na iniciativa privada, os salários variam de empresa pra empresa. Em 2019, o maior valor por hora/aula era de R$ 165,25 para professores com mestrado e doutorado – e os pagamentos são feitos proporcionalmente, conforme as horas de jornada.
Já o menor salário era de R$ 29 por hora/aula para professores com mestrado. Os dados são de um ranking colaborativo, publicado no site do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP) e traz informação de 44 instituições de ensino superior.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que havia 1,8 milhão de trabalhadores na educação em janeiro de 2020. O saldo, em agosto, é de 17.589 vagas a menos.
Dados mês a mês apontam que as demissões na área de educação ficaram maiores do que as contratações a partir de abril.
Infografia/G1
As demissões se concentraram na rede privada. Nas universidades federais, não houve cortes durante a pandemia, afirma Edward Madureira, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
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