Confira 10 tópicos que precisam ser debatidos na volta às aulas
A volta às aulas nas escolas não será simples e nem fácil. Estudos desenvolvidos pela Universidade de Harvard apontam efeitos da pandemia na educação, orientando que professores precisam estar preparados para lidar com crianças que voltarão às escolas com medo e com a saúde emocional afetada. Crianças e adolescentes acuados, desesperados, com estresse familiar, violência doméstica, a ideia de perder familiares, de verem seus pais ficarem sem trabalho e ter pouco dinheiro para sobreviver.
Voltaremos numa situação muito delicada. Os professores precisarão manter a calma, tranquilidade e possuir habilidades para lidar com todos esses problemas. Essas sensações devem ser interpretadas como um sinal de alerta a todos os professores, ajudando as crianças e adolescentes a não desenvolverem doenças psíquicas. Associada a esses cuidados teremos uma volta extremamente complexa. Em diversos estudos que tenho feito sobre o retorno das aulas presenciais, tenho chegado a algumas conclusões um pouco perturbadoras. Ouso elencar 10 tópicos que precisam ser discutidos exaustivamente pelos gestores educacionais, professores e pais e que devem nortear a rotina das escolas nesta fase de volta às aulas. Vamos a eles:
- A volta às aulas presenciais não será na forma como estávamos habituados antes da paralisação. O retorno será gradativo e parcial. Algumas escolas iniciarão pelo ensino médio, outras pela educação infantil, dependendo da realidade de cada escola. Não voltarão todos os alunos e séries ao mesmo tempo. As turmas com menos alunos provocarão um novo “ensalamento”, uma nova redistribuição de aulas, carga horária, atividades remotas, entre outros fatores;
- Se nos espelharmos nos países que já retornaram ou que estão retornando às aulas, deveremos ter 1/3 dos alunos por turma. Isso significa que o professor poderá repetir a mesma aula três vezes numa mesma semana para que todos possam ter o mesmo conteúdo e as mesmas aulas presencialmente. Enquanto 1/3 dos alunos estará em aulas presenciais, 2/3 estarão em aulas remotas. Isso exigirá dos professores um trabalho hercúleo, pois terão que se desdobrar em muitos para dar conta das atividades diárias escolares;
- Assim, as escolas precisarão mesclar ensino presencial e não presencial, ou seja, passaremos a conviver com o ensino híbrido. Os professores deverão organizar atividades presenciais e atividades remotas, de preferência assíncronas (aulas gravadas) para os alunos que continuarão em casa, enquanto uma parcela estará em sala de aula com o professor ministrando aulas presenciais. Isso exigirá dos professores muito mais tempo de preparo para suas aulas. Essa situação nova vai exigir de todos, professores, pais, alunos e gestores, um novo aprendizado;
- Os alunos voltarão muito diferentes de quando as aulas foram paralisadas. Alguns terão avançado bastante, outros nem tanto. Isso exigirá do professor, após uma rigorosa avaliação diagnóstica, um grande esforço e um trabalho intenso. As turmas serão muito heterogêneas. O professor, ao mesmo tempo em que recupera os alunos com defasagem na aprendizagem, ministrará novos conteúdos e irá avante com o programa. Ainda deverá dedicar um tempo, além da recuperação de conteúdos para determinados alunos, a reposição de carga horária parcialmente perdida durante a paralisação. Em síntese, precisará haver uma reorganização de todos os processos de aprendizagem;
- A logística de organização das atividades presenciais e não presenciais também não será simples, visto que o professor passará a ter, em média, três vezes mais turmas do que tinha antes da paralisação, ministrando o mesmo número de aulas semanais. Isso demandará da gestão um planejamento e uma organização apurada das atividades a serem desenvolvidas na escola e em casa e o controle das cargas horárias;
- Muitos pais se recusarão a enviar seus filhos para escola e tais comportamentos deverão ser respeitados. Portanto, parte dos alunos continuará apenas com ensino remoto, exigindo dos professores um plano de trabalho especial para esses estudantes em função de não participarem das atividades presenciais. Teremos, assim, dois grupos de alunos na mesma turma: os que terão ensino híbrido (ensino presencial e não presencial) e os que continuarão tendo apenas o ensino remoto;
- A escola, ao reabrir, toma para si uma enorme responsabilidade. Não podemos compará-la com um shopping, academia ou mesmo um comércio. Temos uma relação assimétrica e de plena responsabilidade com os alunos. Além disso, a quantidade de alunos sob a responsabilidade de adultos é grande, impossibilitando um total controle sobre os comportamentos das crianças e até adolescentes. Teremos situações em casos extremos de pais responsabilizando as escolas caso alguma criança ou até membros da família dessas crianças venham a ser diagnosticados com a Covid-19. Isso também poderá causar pavor em pais com filhos estudando na mesma turma ou até na mesma escola que crianças diagnosticadas positivamente para a doença;
- Os espaços físicos das escolas deverão ser adaptados, garantindo as distâncias exigidas pelos órgãos da saúde. Carteiras deverão ser retiradas ou inutilizadas, marcações no pátio e nos banheiros, com controle sobre cada passo que o aluno dará na escola. Os momentos de intervalos e recreios deverão ter uma vigilância redobrada, não permitindo em hipótese alguma que as crianças brinquem entre si, que tenham qualquer tipo de contato físico e que se mantenham com as máscaras todo o tempo que estiverem na escola;
- A escola deverá ter um protocolo rígido em relação às regras de higiene e de saúde. As normas e procedimentos precisam ser constantemente reforçados na escola, exigindo dos professores um tempo excessivo nas orientações e nos cuidados com os alunos, prejudicando em parte o tempo a ser dedicado às aulas;
- Professores e funcionários que estão no grupo de risco também deverão ser dispensados das atividades presenciais, exigindo da escola a contratação ou remanejamento de outros professores e profissionais para a substituição desses nas atividades presenciais. Isso poderá acarretar em custos ou exigir da escola uma complexa reorganização de atividades.
Todos esses desafios e essas mudanças só estão e só serão possíveis com a transformação, engajamento, mobilização e comprometimento dos professores. Com novos comportamentos e atitudes eles poderão dar saltos quantitativos e qualitativos em suas aulas. Esses comportamentos não virão somente por desejo dos professores, mas precisam estar calcados em nossas competências e habilidades a serem rapidamente desenvolvidas para que o avanço ocorra e essas mudanças se consolidem.
Por fim, precisamos admitir que há muitas incertezas, medos e desafios pairando no ar, mas sabemos que de tudo isso vamos tirar grandes lições e evoluir em muitos pontos no que tange ao conhecimento e uso de novas tecnologias. Este é um momento de aprendizado, de reflexão, mas também é momento de ação e de construção de novas rotas para a educação. Seguimos trabalhando com afinco e pensando sempre em dias melhores, em pousos mais seguros e na revolução tão necessária nas escolas e na educação do nosso país.
Renato Casagrande é presidente do Instituto Casagrande. É conferencista, palestrante, escritor, pesquisador e consultor em Educação, Gestão e Liderança no Ambiente Educacional. Também é autor de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. Doutorando em Educação, é mestre e bacharel em Administração e licenciado em Matemática.