Em debate de vices focado em coronavírus e China, Kamala Harris é tida como vencedora ante Mike Pence
A senadora democrata Kamala Harris, candidata a vice-presidente na chapa de Joe Biden, ganhou o debate contra o republicano Mike Pence na noite de quarta-feira (7). O encontro, ocorrido na Universidade de Utah, em Salt Lake City, foi, de longe, mais civilizado que o da semana passada, quando Donald Trump e Joe Biden praticamente não conseguiram completar suas respostas, tantas foram as interrupções e ofensas.
Kamala saiu em vantagem já no primeiro bloco, que teve como tema a pandemia de Covid-19. A democrata nadou de braçada diante do calcanhar-de-Aquiles do governo Trump. Classificou a gestão da pandemia pelo presidente Trump como “a maior falha que um governo americano já cometeu na história do país”.
Em seguida, disparou a citar números. Comparou a taxa de mortalidade pela doença nos Estados Unidos, que é duas vezes maior que a do vizinho Canadá. Lembrou que o país já contabiliza mais de 210 mil mortos pela doença (recorde mundial); que mais de 7 milhões de pessoas já foram contaminadas; que uma a cada cinco empresas fechou as portas nos últimos meses e que 30 milhões de trabalhadores perderam o emprego.
“Parte do desempenho de Kamala Harris se deve à pandemia de Covid-19. O debate dessa quarta aconteceu em meio à doença de Trump, o que jogou a pandemia no centro da campanha eleitoral com mais força ainda. Esse é o principal ponto fraco dos republicanos, o que beneficia tremendamente os democratas”, afirma Maurício Moura, professor da Universidade George Washington e CEO do Ideia Big Data, instituto de pesquisa especializado em opinião pública.
O golpe mais duro ocorreu quando Kamala afirmou que os efeitos da pandemia poderiam ter sido amenizados se Trump não tivesse escondido a gravidade da situação da sociedade americana.
“Imagine se você soubesse em 28 de janeiro, em vez de saber em 13 de março, sobre a gravidade da doença e tivesse tido a oportunidade de se preparar, se proteger”, indagou ao telespectador. A candidata referia-se ao livro de Bob Woodward, que revelou que o presidente Trump sabia da letalidade da pandemia em janeiro, mas decidiu não alertar a população para não causar pânico.
“A senadora conseguiu atacar Trump de forma mais incisiva que o Pence conseguiu atacar o Biden”, afirma Michael Lopez, sócio da Arko, consultoria especializada em análise política.
A democrata, de 55 anos, conseguiu aproveitar também temas em que seu rival geralmente leva vantagem, como na questão da segurança, em que os republicanos pregam “lei e ordem”.
A certa altura do debate, Pence afirmava que o governo Trump sempre apoiaria a aplicação da lei. Ao retomar a palavra, Kamala afirmou que não iria ficar sentada, ouvindo uma aula sobre aplicação da lei em seu país. “Eu sou a única pessoa nesse palco que processou pessoalmente criminosos, de estupradores de crianças a assassinos”, rebateu a senadora, referindo-se ao período em que trabalhou como procuradora na Califórnia.
Kamala ainda conseguiu usar o debate para falar de sua história pessoal. A senadora é a primeira mulher a concorrer à vaga de vice-presidente. Filha de mãe indiana e pai jamaicano, foi a primeira negra procuradora na história do estado da Califórnia. Em 2010, tornou-se a primeira mulher a ser eleita para a Procuradoria-Geral da Califórnia. Em 2016, foi eleita para o Senado norte americano, a segunda negra nos 240 anos da história da democracia americana.
O ponto fraco de Kamala Harris foi exposto na pergunta sobre se os democratas pretendem ou não aumentar o número de juízes da Suprema Corte. A proposta, de uma ala do partido democrata, seria uma forma de driblar o perfil predominantemente conservador que a Corte deve adquirir com a indicação da juíza Amy Coney Barret, em substituição à liberal Ruth Gainsburg, que faleceu em 18 de setembro.
Esse tipo de manobra, no entanto, adotada por governos autoritários, é muito mal avaliada até entre democratas, e, entre eles, não tem aprovação nem da própria Kamala nem de Biden. Nenhum dos dois, porém, conseguiu responder à pergunta nos debates, pois temem perder apoio da ala democrata que defende a ideia. Esse, aliás, foi um dos melhores momentos de Pence, que conseguiu colocar a oponente nas cordas.
Sem poder de fogo para defender o governo de seu principal ponto fraco — a gestão da pandemia –, Pence partiu para o ataque à China, culpando o país pelos estragos provocados pela Covid-19. Afirmou que Trump interrompeu todos os voos com origem na China, como forma de frear a pandemia, e acusou Biden de ter sido contra a iniciativa.
Mais à frente, no bloco destinado a discutir as relações entre Estados Unidos e China, o vice-presidente voltou a atacar os chineses. “A culpa do coronavírus é da China. China e a Organização Mundial da Saúde não foram honestos com os Estados Unidos”, afirmou. O vice de Trump ainda disse que os Estados Unidos vão responsabilizar a China pelos danos provocados pela pandemia.
Pence tentou ganhar pontos em temas como a economia pré-pandemia, que vinha em ritmo forte. Conseguiu colocar a democrata nas cordas ao explorar a contradição nas respostas dela e de Biden sobre se aumentarão ou não impostos, caso vençam as eleições. Também relembrou como trunfo a morte de Qassem Soleimani, então chefe da Guarda Revolucionária do Irã e um dos homens mais poderosos daquele país, assassinado no Iraque por ordem do presidente Trump, que o acusava de patrocinar terrorismo contra americanos no Oriente Médio.
Quando o debate trilhava a seara da saúde, da gestão da pandemia e das mudanças climáticas, o republicano perdia a potência dos argumentos. Ocorre que esses são os temas do momento, e, como as pesquisas têm mostrado, os democratas vêm mantendo vantagem, ainda que pequena, constante nas pesquisas de opinião.
Segundo sondagem da rede de TV americana CNN, feita logo após o debate, 59% dos entrevistados afirmaram que Kamala venceu Pence, considerado vencedor por 38% dos expectadores ouvidos.
O debate dos vices é um evento tradicional das campanhas presidenciais, mas costuma ficar em segundo plano, em comparação aos embates entre os cabeças-de-chapa. Este ano, a situação mudou de figura.
“Pence e Harris ganharam relevância na corrida eleitoral por causa da idade avançada de Trump e Biden”, afirma Tanguy Baghdadi, professor de relações internacionais da Universidade Veiga de Almeida (UVA). O republicano chegou à Casa Branca aos 71 anos, o presidente eleito mais velho do país. Se Biden vencer em novembro, assumirá aos 78 anos, batendo o recorde de Trump. Nos Estados Unidos, o vice-presidente é também o presidente do Senado e tem o voto de minerva, em caso de votações empatadas.
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