Vacinação Compulsória: novo problema ou velho resultado?
Concomitantemente com a disponibilização da tão aguardada vacina para a Covid-19, os órgãos públicos terão que lidar com o inevitável questionamento quanto à obrigatoriedade da vacinação. De plano há que se registrar a existência de uma recente lei autorizando o governo federal a determinar a compulsoriedade de “vacinação e outras medidas profiláticas” para enfrentar a atual pandemia (Lei nº 13.979/20). Referida medida, contudo, ao menos para os menores de idade, não tem sabor de novidade, posto haver previsão no mesmo sentido desde a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 (art. 14, § 1º), sendo que o Estado de São Paulo ainda condicionou a matrícula na rede pública e particular de ensino, à apresentação prévia do atestado atualizado de vacinação dos estudantes menores de 18 anos de idade (Lei nº 17.252/20), no mesmo sentido em que legislações municipais como a de Campos dos Goytacazes/RJ (Lei nº 8.864/18), e Garça/SP (Lei nº 5.335/2019), já tinham sido direcionadas antes da atual crise.
Da mesma maneira que as disposições específicas destinadas aos menores de idade, a obrigatoriedade de vacinação para a população em geral em casos específicos, está prevista há mais de 40 anos, remetendo à criação do Programa Nacional de Imunização pela Lei nº 6.259/75 (art. 3º). Em que pese haver disposições sobre a obrigatoriedade da vacinação há décadas, somente no final do mês de agosto de 2020 o STF reconheceu que a “possibilidade dos pais deixarem de vacinar os seus filhos, tendo como fundamento convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais” tem repercussão geral (Tema nº 1103, ARE 1267879), e das razões de decidir do Ministro relator, extrai-se que quando do julgamento, o Tribunal terá que lidar com o balanceamento do dever do Estado em proteger a saúde das crianças e da comunidade através de ações preventivas de saúde pública, com o direito da família decidir o futuro dos seus filhos diante de questões ideológicas, políticas e religiosas.
Ocorre que apesar do julgamento tratar de um caso envolvendo uma criança, por conta da época e da proximidade com a disponibilização da vacina para a COVID-19, certamente haverá indicação de um caminho a ser seguido para questionamentos decorrentes da presente pandemia, onde a negativa de vacinação de um pode implicar não apenas na vontade de outros, mas em suas vidas – exemplo diametralmente diverso da negativa de transfusão de sangue onde o único impactado é o próprio indivíduo que questiona a indicação médica -, sendo que o interesse da coletividade em detrimento de escolhas particulares tende a ter assento no julgamento em questão.
O passado já lidou com restrições a liberdades individuais que impactavam a coletividade quando proibiu que cidadãos alcoolizados dirigissem, assim como o fez nas restrições impostas ao tabagismo. Como a aplicação da teoria ao caso concreto faz com que o pêndulo da Justiça se direcione no sentido de reconhecer direitos da maior parcela da sociedade, resta saber se a maioria no presente caso será composta pelos adeptos à vacinação, ou pelos que se negarão a recebê-la.
* Marcelo Escobar é advogado, professor e músico. Escreve às quartas-feiras sobre assuntos jurídicos e seus impactos na vida cotidiana.