Moradores do Rio Vermelho se unem para reformar igrejinha de Sant’Ana
No Largo de Santana, no Rio Vermelho, uma igrejinha de mesmo nome persevera vitoriosa apesar de quase ter sido destruída. Primeiro, na década de 80, para abrir espaço e melhorar a fluidez da região. Agora, pela ação do tempo e da maresia. Em ambos os cenários, a população do bairro é a salvadora da construção, impedindo que o templo, que já virou símbolo do lugar mais boêmio de Salvador, sumisse. A atual luta é pela reforma da edificação e em busca do desejo de dar vida ao espaço com a criação de um centro cultural e social permanente.
A movimentação pela reabertura da Igrejinha de Sant’Ana existe desde que ela fechou há, pelo menos, quatro anos, mas ganhou força há pouco mais de um mês, quando amantes do bairro indignados com a falta de preservação da estrutura começaram a se movimentar nos grupos do Whatsapp para alertar sobre a necessidade de recuperação do imóvel. A Paróquia de Sant’Ana do Rio Vermelho, que gere a igrejinha, diz não possuir os recursos necessários para manter o prédio.
Juntos, a Associação de Moradores e Amigos do Rio Vermelho (Amarv), o Conselho Comunitário Social e de Segurança do Rio Vermelho e Ondina e a Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (Febha) iniciaram a campanha. A Paróquia de Sant’Ana também busca apoio para viabilizar uma reforma. As movimentações se restringiram aos grupos de Whatsapp e a divulgação da situação em veículos de comunicação.
“A gente não aguenta ver a igreja nesse estado. Aquilo pode desabar e isso é de partir o coração porque a igrejinha é uma marca do Rio Vermelho. Ela tem que ter uma utilidade. Com a recuperação, podemos fazer várias salas para realizar várias atividades para a comunidade envolvendo cultura e aspectos sociais, até mesmo um espaço para receber o turista no bairro”, comenta o presidente da Amarv, Lauro Matta.
Sem receber missas há mais de 50 anos, quando foi construída a Paróquia de Sant’Ana, a igrejinha é a sede do Centro Social e Cultural Monsenhor Amílcar Marques. Antes de fechar, o lugar era movimentado com as ações da entidade, que até fornecia cursos profissionalizantes. O desejo é que, com a reforma, seja possível retomar as atividades no local.
A demanda chegou até a Câmara Municipal de Salvador. Em 11 de setembro, o vereador Cláudio Tinoco apresentou um projeto de indicação à casa defendendo a recuperação e reabertura da Igrejinha de Sant’Ana. O projeto ainda não foi votado e não se sabe quando ele deve ingressar na pauta das sessões da CMS.
“Caso aprovado, o pedido permite que a prefeitura assuma a responsabilidade por esse patrimônio, o que abre a possibilidade para que a gestão municipal possa firmar um convênio ou um termo de cooperação com a arquidiocese para cuidar do espaço”, explica Tinoco.
Possibilidade de reparo
A Secretaria Municipal de Manutenção (Seman) chegou a conversar com o padre sobre a possibilidade de reforma da igrejinha. A obra ainda não foi oficializada, por enquanto, a pasta apenas solicitou um orçamento para realizar a pintura, o retelhamento e a instalação de novos pontos de iluminação no templo.
O orçamento ainda não foi entregue e, com a entrega, precisará ser aprovado pela prefeitura. Como a reforma ainda é uma possibilidade, não existe uma prazo para que ela aconteça. A Seman ressalta que a igrejinha não é uma estrutura municipal, mas poderá passar pelas obras por ser um bem público construído em um local turístico.
A Amarv também não sabe precisar quanto pode custar a obra, o presidente apenas garante que será “um trabalho árduo e caro”. Ele cita os problemas na estrutura: “tem que ser uma reforma geral. O telhado não presta, o madeirame interno tem que ser trocada, o reboco tem que ser trocado, as portas estão podres. Acho que 80% da igrejinha vai ter que ser reformada”.
Assim como a Amarv, o padre Ângelo aponta que o telhado da igrejinha precisa de reparos urgentes para que seja possível utilizar o espaço com tranquilidade. Em conversa com a Seman, o pároco ainda sugeriu que fosse construída uma área de coro na parte superior do templo. “Essa é apenas uma pretensão. Seria interessante pois poderia ser mais uma área utilizada para atividades culturais”, diz o padre, que também não sabe estimar o valor da obra de reforma da edificação.
Na década de 80, um abraço salvou a igrejinha, que seria demolida durante uma reforma no bairro. Moradores do Rio Vermelho, inclusive os artistas famosos como Jorge Amado, protestaram contra o ato. Um gesto marcante sensibilizou as autoridades, conta Matta: “todos uniram as mãos fazendo uma volta ao redor da igreja que recebeu um abração”.
Fim do cuidado
Mesmo depois de perder o espaço como local para realização de cultos religiosos, a igrejinha era cuidada pela comunidade. Dona Arilda Cardoso ficou anos à frente do Centro Social e Cultural Monsenhor Amílcar Marques, que cuidava do imóvel. Agora, a entidade é presidida pelo padre Ângelo Magno, que é o pároco da Paróquia Sant’Ana. A Amarv afirma sempre tentar realizar pequenos reparos na edificação, mas falta apoio do padre.
“Arilda tomava conta daquilo, ela usava o seu dinheiro e fazia arrecadações para dar a manutenção para a igreja. Quando ela se afastou do centro, tudo parou. A igrejinha tem que ser conservada”, afirma a vice-presidente do Comunitário Social e de Segurança do Rio Vermelho e Ondina, Eloysa Cabral.
Já o pároco afirma que a igreja funcionou até a requalificação do Rio Vermelho, iniciada em 2015. Desde que foi fechada, algumas pessoas têm procurado o padre para usar o espaço, mas a igreja não cedeu o espaço pois “os objetivos eram diferentes”. Ainda de acordo com o padre, o centro realizou algumas atividades semanais de cultura e atendimento à saúde na nave do local desde o final do ano passado, em parceria com o Dr. Antonio Nery Filho, mas estas tiveram que ser suspensas pela pandemia.
“A área foi interditada e foi nesse momento que aconteceu o problema estrutural no telhado. Com o fim da requalificação, não tivemos como consertar. Chegamos a ficar sem luz e estamos sem água. Com isso, nos preocupamos em abrir o espaço. Apenas a nave da igreja pode ser usada pois ela tem menos problemas. Mesmo sem a reforma, espero voltar a realizar as atividades na igrejinha ao fim da pandemia”, conta o padre, que acredita que as atividades realizadas antes da pandemia chamaram atenção para a degradação do espaço .
Silvio Pessoa, presidente da Febha, diz negociar um regime de comodato da igrejinha desde o final do ano passado. De acordo com ele, o templo está fechado há 6 anos. A ideia seria transformar o espaço em um pólo social e cultural. “Estamos negociando para tentar reformar o lugar. Até já conversamos com a cúria para fechar essa parceria”, relata.
*Com orientação da editora Mariana Rios