Em 23 anos, Anatel recebeu 7,5% do valor das multas aplicadas, diz CGU

Multas somam mais de R$ 11 bilhões. Agência reguladora afirmou que está revisando modelo de atuação. Desde que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi criada, em 1997, o órgão recebeu 7,5% do valor das multas aplicadas. Os números são de um relatório feito pela Controladoria-Geral da União (CGU).
A Anatel tem como uma de suas responsabilidades fiscalizar a prestação dos serviços de telecomunicações. Nos últimos 23 anos anos, a agência impôs 66 mil multas a empresas de telefonia fixa e móvel, provedoras de internet banda larga e de TV por assinatura, somando R$ 11,5 bilhões. Desse total, R$ 873,2 milhões foram efetivamente pagos pelos multados. O restante é discutido na Justiça ou prescreveu.
A maior parte das multas efetivamente quitadas é de baixo valor, segundo o levantamento da CGU. Apesar de representarem menos de 8% do total aplicado, as sanções efetivamente pagas correspondem a mais de 50% de todas as multas.
De acordo com a CGU, a maioria das multas se refere a a temas que não afetam diretamente os consumidores, como mudanças societárias nas empresas ou obstrução de fiscalização. Desde 2015, mais de 20% dos processos abertos foram nesses temas, superando processos relativos aos direitos do consumidor.
Para os auditores, o baixo índice de multas pagas mostram a ineficiência do modelo utilizado pela Anatel.
“Se os infratores não estão pagando as multas devidas, questiona-se se o efeito repressivo, coercitivo e educador da principal sanção administrativa adotada pela Anatel tem contribuído para o alcance dos seus objetivos”, diz o relatório.
“O baixo índice de arrecadação das multas constituídas, em questão de valores, significa que as prestadoras que não pagam as multas, não sofrem os efeitos esperados desse tipo de sanção e, assim, não há coerção ou estímulo para a reparação da conduta delituosa, cuja continuidade prejudica a qualidade na prestação dos serviços de telecomunicações”, concluem os auditores.
A CGU identificou ainda que a agência gasta mais horas de fiscalização em áreas em que há menos reclamações dos consumidores.
Em 2015, o números de acessos na telefonia móvel se aproximava dos 270 milhões, mais de cinco vezes os acessos em telefonia fixa. As reclamações também eram muitos superiores entre os usuários de celular – cerca de 1,8 milhão, contra aproximadamente 1 milhão na telefonia fixa. Mesmo assim, o número de horas de trabalho dos fiscais da agência na telefonia fixa era pouco menor do que o destinado a fiscalizar a telefonia móvel.
Em 2012, eram mais de 200 mil horas de serviços destinadas à telefonia fixa, contra menos de 100 mil na telefonia móvel.
“Ante a limitação de recursos, a Agência deve priorizar seus esforços de fiscalização, acompanhamento e controle nos serviços mais demandados para que haja um incremento da melhoria nos serviços de telecomunicações mais imprescindíveis para a sociedade”, avaliaram os auditores da CGU.
‘Retrato do passado’
O superintendente de Controle de Obrigações da Anatel, Carlos Manoel Baigorri, vê o relatório como um retrato do passado. Ele afirmou que o modelo de fiscalização que está sendo modernizado.
Há dois anos no cargo, ele diz que as multas eram tratadas como a principal ferramenta de sanção. “O que a gente percebeu é que isso não gera efeito. A multa continua sendo um mecanismo, mas ele não precisa ser o primeiro mecanismo a ser aplicado”, explica.
“É uma mudança cultural da administração pública, que já vem sendo feita, discutido com a sociedade, justamente para que não seja interpretado como um libera geral. Não é abandonar a multa, ela continua sendo uma ferramenta, mas não é necessariamente o único”, diz Baigorri.
Segundo ele, um novo regulamento que prevê mais medidas alternativas para punir e obrigar as empresas a prestar o serviço adequadamente está em fase final de análise na agência, aguardando votação apenas do Conselho Diretor da Anatel.
Sobre os outros pontos identificados pela CGU, ele explica que a telefonia fixa exigia mais horas de fiscalização porque envolvia regras mais rígidas do que a telefonia móvel, por exemplo. E também incluía ação em campo, como na verificação do funcionamento de orelhões.
Com mais regras, os processos se tornavam mais longos, o que, segundo Baigorri, explica o fato de continuarem predominando na agenda da fiscalização. Em 2018, os processos que estavam em conclusão haviam começado em fiscalizações de 2014, por exemplo.
O tempo varia de caso para caso, mas ele afirma que, em média, o período entre a identificação da infração e a conclusão do processo é de 23 meses. A partir daí, segundo Baigorri, as multas elevadas normalmente vão parar na Justiça, enquanto as pequenas são pagas.
“A gente regulamenta milhares de prestadores de serviços. O pequeno prestador de banda larga, o caminhoneiro que não tem rádio registrado na Anatel, feirante vendendo equipamento não certificado é multado. Mas as multas que são dezenas de milhões de reais, de grandes empresas, regra geral eles judicializam, conseguem uma liminar e o processo fica parado”, afirma o superintendente. O relatório da CGU aponta que um quinto das multas foi parar na Justiça, com mais de 70% incluídas na dívida ativa e no cadastro federal de dívidas não-pagas.
Segundo Baigorri, o relatório da CGU mostra algo que já havia sido percebido na agência, sobre a baixa efetividade das multas. Mas, para ele, ainda há um efeito mesmo se as multas não forem pagas, como as restrições para contratações públicas de empresas devedoras e os depósitos judiciais.
“No âmbito da Anatel, a gente decide. Se ele recorre à Justiça, é um direito dele. Agora, essa empresa não recorre de graça. O juiz exige garantias no valor para dar uma liminar, então o efeito financeiro existe. Então estas empresas têm um volume muito grande de depósito judicial, o dinheiro não está disponível para eles”, argumenta.