Grupo diz que ia tirar 360 metros de cabos no Santo Antônio e vender por R$ 6 mil

Rua ficou destruída

O caso do furto de cobre no bairro do Santo Antônio tem uma nova versão. Na manhã dessa quarta-feira (30), quatro homens que não quiseram se identificar conversaram com o CORREIO e a TV Bahia e admitiram terem sido os operários que retiraram os fios de cobre na manhã do último domingo. O grupo de cerca de 10 pessoas pretendia retirar um total de 360 metros de cabos e vendê-los por R$ 6 mil. 

Eles disseram que fizeram a operação após um acordo feito com o funcionário Thailan Macedo, da construtora Pejota. No domingo, apenas 60 metros de cabos foi retirado, pois houve um rompimento numa tubulação de água. Nesse momento, Thailan teria os orientados a se retirarem do local. 

Eles disseram que não sabiam que se tratava de uma operação ilegal e acreditavam que a empresa Pejota sabia da operação. “Tivemos três encontros precedentes com o Thailan, incluindo uma vez que foi no canteiro de obras da empresa, no Largo do Santo António. Sempre conversamos com Thailan, que nos apresentou o mapa da obra e disse o local exato que teríamos retirar os cabos”, afirmou o rapaz que se apresentou como líder do grupo. 

Eles fazem parte de uma empresa de sucata do Subúrbio de Salvador e estão com medo de serem identificados, pois estão recebendo ataques de pessoas que o reconheceram nas imagens e vídeos que viralizaram nas redes sociais. O lucro da operação seria divido pela metade: 50% para serem repartidos entre os funcionários que retiraram os fios e os outros 50% ficaria com o funcionário da construtora.

Os 60 metros de cobre levados já foram vendidos por R$ 800. “Esse valor é inferior ao custo que tivemos para contratar o maquinário e retirar os fios, que foi de 2,2 mil. Ou seja, saímos num prejuízo de 1,4 mil. Queremos que a empresa se retrate e admitia que não somos os culpados”, disseram.

No domingo passado, dia 20, o grupo afirmou também que foi até a Rua Direita do Santo Antônio para tentar fazer as escavações de forma manual, ou seja, sem o auxílio de retroescavadeira. No entanto, eles viram que não seria possível e alugaram uma retroescavadeira por R$ 900 no bairro de Valéria e  decidiram vir no dia 27 de setembro. “O dinheiro que tiramos da retirada dos 60 metros de fio deu apenas para pagar o aluguel da máquina”, contaram.

O grupo também afirmou que manteve contato com o setor administrativo da Pejota até hoje de manhã e com o próprio Thailan, que teria dito que “o caso seria abafado”. Já o setor administrativo disse que ia dar um retorno até o meio dia dessa quarta. “Se eles não fizerem, vamos também prestar uma queixa, pois fomos vítimas”, disseram.

O CORREIO entrou em contato com a construtora e aguarda posicionamento sobre a denúncia.

Pedido de desculpas
Após conversar com o CORREIO, o grupo decidiu ir até a casa do cineasta Claudio Marques, para esclarecer tudo o que aconteceu e pedir desculpas. “A gente veio no domingo, pois foi uma orientação do próprio funcionário. Nós acreditávamos que vocês sabiam de tudo isso, não queríamos atrapalhar o descanso de vocês”, disseram a Claudio.

Com a nova versão, o cineasta ficou mais impressionado com a história que aconteceu na sua própria rua, exatamente na frente de sua casa. “No dia do ocorrido, os trabalhadores foram super educados comigo, como estão sendo agora. Se eles cumpriram ordens de superiores, a gente precisa escutar a Pejota e a Conder sobre isso. Reforço que esse episódio só reflete como a obra tem sido feita. Não tenho nada contra em melhorar os bairros de Salvador, mas isso tem que ser feito com mais transparência”, disse.

Uma dos funcionários que participaram da operação e tiveram sua imagem exposta nas redes sociais desabafou sobre os ataques que vem sofrendo. “Recebi mensagens de números desconhecidos de pessoas me chamando de ladrão de cobre. Ao sair na rua, as pessoas estão dando risada da minha cara e me chamando de ladrão. Para um pai de família, isso é muito triste. Poderia ter tirado o domingo para ficar com minha filha de três anos, mas vim trabalhar para tentar arrumar um dinheiro e levar para ela”, disse.

Contato
O grupo afirmou que a primeira relação deles com a construtora Pejota foi quando uma pessoa teria ido na sucata para vender 80 kg de material que teria sido retirado da rua durante as obras feitas no Santo Antônio em 2020. “Logo depois, eles nos chamaram para fazer a retirada dos 360 metros de material que tinha sobrado. A gente não desconfiou que poderia ser errado, pois fomos no canteiro de obra e tudo aconteceu num domingo, em plena luz do dia. Não fizemos nada escondido”, disseram.

Investigação
A Polícia Civil abriu inquérito para investigar o caso. O procedimento foi instaurado nessa terça-feira (29), após reportagem do CORREIO, com uma queixa-crime formalizada pela Construtora Pejota, que realiza os serviços de requalificação da via.  A denúncia foi registrada na 1ª Delegacia (Barris) após mais de 48h da ocorrência.

Em nota, a Pejota disse que o registro do boletim de ocorrência só aconteceu após o pedido da Conder, o que teria sido feito numa reunião entre as duas partes realizada na tarde dessa terça. No entanto, em nota divulgada para a imprensa um dia antes, a Conder já tinha dito que fizera o pedido à Pejota para que registrasse queixa.

Funcionários da Conder tiveram que consertar os estragos deixados (Foto: Marina Silva/CORREIO)

A Polícia Civil não informou se já há suspeitos. Mas na manhã dessa terça (29), um homem que não quis ser identificado entrou em contato com a redação da TV Bahia e afirmou ser o responsável pela equipe que removeu os fios de cobre. Em conversa com o CORREIO, ele disse que não foi um roubo, pois o grupo teria sido contratado pela própria Pejota. “O interesse da empresa era acabar com o transtorno dos dependentes químicos que vandalizavam a obra e já retiraram esse cobre. Nós fomos chamados para retirar a sucata e evitar a ação desse pessoal”, contou ele, que disse ter sido contratado por uma pessoa de nome Thailan Macedo, que teria se apresentado como engenheiro da obra.

O homem explicou ainda que a operação aconteceu no domingo, pois a equipe não queria parar as obras. “Como iríamos levar uma equipe de 15 homens com caminhão, retroescavadeira, fechar uma rua e tudo isso para um roubo? A gente fez a retirada do material no local exato que eles passaram para gente. Caso contrário, como a gente iria imaginar que tinha esse material ali?”, questionou. Ainda segundo ele, foram levados cerca de 45 kg de cobre e 60 kg de chumbo. 

Fio de chumbo também foi encontrado, mas deixado no local (Foto: Marina Silva/CORREIO)

O CORREIO localizou um rapaz de nome Thailan, que foi identificado como estagiário da Pejota. Ele disse que essa informação não procede. A Pejota foi questionada sobre isso, mas não retornou.

Na nota, a construtora informou que as imagens divulgadas pela imprensa mostram que o fardamento dos criminosos não possui nenhuma identificação da Pejota. “O maquinário utilizado também não pertence à empresa e todo material usado fica mantido no canteiro de obras, que tem vigilância privada 24 horas”.

Segundo funcionários que não quiseram se identificar, o canteiro fica no Largo do Santo Antônio, a cerca de 400 metros da ocorrência. Cerca de 30 operários fazem parte da obra. “Os vigias poderiam estar no canteiro no momento do crime, não sei dizer se eles viram a movimentação”, disse um dos funcionários.

No domingo, cerca de 20 pessoas sem máscara, vestidas com uniformes azuis e com maquinários de grande porte, como retroescavadeiras, destruíram 60 metros de extensão de um lado da rua para levar fios de cobre que estavam enterrados no local. A ação se iniciou por volta das 8h30, durou cerca de quatro horas e danificou a rede de tubulação de água – já substituída.

A Coelba confirmou que os cabos furtados pertencem a uma linha de transmissão desativada. Os cabos permaneceram no local para uma eventual necessidade. Para evitar roubos, a Coelba disse que prioriza a utilização de cabos de alumínio e trabalha com um percentual muito baixo de material de cobre na rede da distribuidora.

O CORREIO também conversou com guardadores de carro do Largo do Santo Antônio e eles se disseram vítimas. “Nós fomos ajudar a retirar os carros da pista como sempre fazemos. A empresa já tem o costume de pedir o nosso auxílio, pois a gente conhece bem a área e os moradores. Mas a gente não ganhou nada por isso. Estamos nos sentindo enganados”, disse um deles.

Desrespeito
Para o ator Fabrício Boliveira, que vive na Rua Direita do Santo Antônio Além do Carmo, a situação gerou um sentimento de desrespeito à população. “Os operários também trabalhavam aos domingos. Pra gente, parecia ser só mais um dia irresponsável e errado de trabalho dos funcionários da obra. Eu fui uma das pessoas que retirei o meu carro da pista para que eles atuassem na rua, como sempre fiz durante a obra inteira”, afirmou.  

Fabrício atuou na novela Segundo Sol, que era ambientada no bairro soteropolitano do Santo Antônio, local onde hoje ele vive. “Eu acho que a polícia tem que investigar mesmo esse crime e a obra. Eles precisam saber quem é essa empresa contratada, quem é a pessoa que está à frente disso e apurar de forma precisa”, afirmou.  

Morador da Rua Direita do Santo Antônio, Fabricio Boliveira viveu Roberval na novela Segundo Sol (Foto: reprodução)

O crime foi considerado como um “furto cinematográfico” pela forma como aconteceu. Questionado sobre a possibilidade de retratar no cinema o episódio, Fabricio desconversou. “Eu acho que temos coisas muito sérias e delicadas para lidar com esse furto, como o fato de ser uma obra mal feita, dinheiro público estar sendo perdido… é importante solucionar primeiro esse crime para só depois a gente pensar em trazer para a arte”, afirmou.  

Uma líder comunitária do Santo Antônio, que não quis ser identificada, disse que os moradores estão se mobilizando para que o furto não fique por isso mesmo e que a realidade da obra seja melhorada. “A obra fica sem vigilância e com material exposto, que é levado por bandidos. A gente tem uma sensação de insegurança e vamos cobrar das autoridades competentes que melhorem isso”, afirmou.  

Confira a nota completa emitida pela construtora Pejota:

Na tarde desta terça, 29/09, a Pejota Construções e a CONDER se reuniram para adoção de medidas em relação ao fato ocorrido no dia 27/09. 

A primeira medida foi o registro de boletim de ocorrência feito pela Pejota, na Delegacia dos Barris. A ação aconteceu após pedido da CONDER feito a empresa nesta reunião. 

As imagens amplamente divulgadas pela imprensa mostram que o fardamento usado pelos criminosos não possui nenhuma identificação da empresa. Além disso, o maquinário utilizado também não pertence a empresa e todo material usado na obra fica mantido no canteiro de obras, que tem vigilância privada 24 horas. 

Estamos colaborando com imagens, informações e documentos a fim de apoiar as autoridades competentes na resolução do caso. A partir desse momento, as informações sobre o caso serão dadas pelas autoridades competentes que conduzirão a investigação.

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro