Luis Miranda: ‘Sociedade só está triste porque não encontra suas lojas de grife abertas’

Nova peça de Luis Miranda tem direção de Monique Gardenberg e será divida em oito atos

Enquanto muita gente decidiu falar durante a pandemia, o ator baiano Luis Miranda foi pelo caminho oposto: ouviu, observou, cuidou dos cachorros e de suas plantas aqui em Salvador. Dessa maneira, conseguiu absorver melhor o desconhecido que se abriu no mundo e fazer uma crítica que não considera pessimista, mas realista do mundo.

O período de observação está chegando ao fim. O ator  volta à ativa com uma curta temporada do espetáculo O Mistério de Irma Vap – no  Drive In do Espaço das Américas, em São Paulo, dias 9 e 10 de outubro – e com o espetáculo inédito Madame Sheila, que foi filmado e vai ao ar pela internet, gratuitamente, a partir de amanhã, em oito episódios.

Em entrevista virtual, Luis falou um pouco sobre suas percepções, o baque de uma pandemia num momento de auge, expectativas para o pós-coronavírus, descrença na sensibilidade das classes mais abastadas e o papel do humor para abrir os olhos das pessoas.

Madame Sheila traz de volta uma personagem já conhecida por ganhar vida nas atuações de Luis Miranda em peças como Terça Insana e 5x Comédia. Agora, a elitista madame ganha um espaço só seu: após uma vida que teve loucuras de amor com George Clooney e bebedeiras inesquecíveis com Lady Di, o que o novo espetáculo vai mostrar é a quarentena da dondoca em sua mansão parisiense.

As observações do ator durante o seu próprio confinamento serão determinantes para mostrar as grandes descobertas feitas por Madame Sheila, como a existência de seus próprios funcionários – a quem dava pouquíssima atenção antes da pandemia.

“É assim que mantemos o teatro vivo, levando arte, diversão e cultura à casa das pessoas. Em momentos como este, precisamos encontrar espaço para rir, apesar de tudo. Madame Sheila é uma comédia inteligente, totalmente em sintonia com o meu trabalho de crítica social, com muita leveza e alegria, mas sempre um olhar crítico sobre as desigualdades do mundo e do nosso país”, disse.

Realista

No entanto, o olhar de Luis  para o que acontece no Brasil não é dos mais otimistas. Enquanto olhava seus cachorros aqui e cuidava de suas plantas acolá, em sua casa em Barra do Jacuípe, ele observou o surgimento de um discurso de que a pandemia poderia servir para que as pessoas se tornassem mais solidárias e preocupadas com o outro. Mas não acredita nesta possibilidade, principalmente olhando para as classes mais abastadas do Brasil.

“A gente tem que ter esperança nos filhos e talvez nos netos [da elite brasileira]. A minha sensação deste momento é que a sociedade não caminhou, só está triste porque não consegue encontrar suas lojas de grife abertas, os jatinhos não circulam livremente e o shopping funciona só com 50%. Nesse lugar, acho que não caminhamos, não. Há esperança e precisa haver, mas quando a gente escuta alguns posicionamentos com tudo está acontecendo hoje vemos que realmente a pandemia não transformou”, afirmou o baiano.

Durante a pandemia, Luis dispensou todos os seus funcionários e chamou para si a responsabilidade de cuidar da casa acordando antes das 7h e fazendo o que precisava fazer. Enquanto isso, ia escutando as coisas. Experiências de amigos, de outros países, construindo pouco a pouco as suas ideias e maneiras de como lidar com essa pandemia.

Essa instrospecção é classificada pelo autor como um cuidar de si, do seu próprio jardim. Até por isso ele evitou participar de lives, ou fazer as suas próprias lives: para Luis Miranda, não tinha muito o que falar com tanta coisa desconhecida aparecendo à sua frente.

“Eu estava exatamente num processo muito interessante quando tudo isso aconteceu. A gente estava fazendo um grande sucesso em São Paulo, eu tinha ganhado o prêmio Shell e a pandemia chega num momento de total apogeu. Interrompeu e eu me resguardei em minha casa, em Salvador. Eu fiquei muito assustado com tudo que estava acontecendo e preferi não ser um disparador como algumas pessoas resolveram fazer”, disse.

Humor ácido

Luis Miranda ainda tem esperança de que as pessoas mudem no pós-pandemia, mas acredita que isso só acontecerá quando a polarização cada vez mais acirrada no país se arrefecer: é preciso construir mais pontes e menos muros. Essa polarização fez com que Luis Miranda e a diretora do espetáculo, a também baiana Monique Gardenberg, optassem por não fazer citações diretas a figuras políticas durante a peça. Mas ele garante que isso não tira nem um pouco a acidez do espetáculo.

 Luis Miranda como Madame Scheila : humor e acidez para falar do momento atual (Foto: Divulgação/Priscila Prade) 

“Utilizamos a madame Sheila para tocar em questões delicadas que às vezes passam despercebidas. O trânsito caótico das cidades, o excesso de plástica de nossas celebridades, algum tipo de colocação que diminui o outro em valoração humana, como questões de preconceito racial. Tudo isso está colocado como uma lente de aumento e uma maneira de pensar ironizada para falar de questões como essa. Mas sempre com bom humor, requinte e classe. Não fazemos nenhuma piada de mau gosto e tudo que está ali colocado é estrategicamente pensado para causar desconforto”, aponta. A diretora Monique Gardenberg afirmou querer tirar Luis Miranda de sua zona de conforto e por isso evitou cenas de Madame Scheila  embriagada ou usando muitos adereços, por exemplo. 

A peça Madame Sheila será apresentada em oito atos, de até oito minutos cada, exibidos online e gratuitamente, nas quintas-feiras de outubro e novembro, no site do Teatro Unimed a partir desta quinta-feira (1).

Luis também volta a se apresentar em formato presencial, com o espetáculo Mistério de Irma Vap numa curta temporada no Drive In do Espaço das Américas, em São Paulo. A temporada adaptada acontece nos dias 9 de 10 de outubro. Foi essa a peça que estava em cartaz quando estourou a pandemia.

Mesmo com essas iniciativas diferentes para que possa mostrar que os artistas ainda estão vivos e querendo trabalhar, Luis Miranda não acredita que espetáculos digitais ou em formatos alternativos devam perdurar. Na opinião do ator, o teatro demanda o contato com o público e permite fazer pequenas adaptações a partir de cada região em que a peça está em cartaz para se aproximar de cada cidade, teatro e pessoa por onde chega.