Ministro, o que é uma família desajustada?
Nessa quinta-feira, o ministro da Educação do Brasil, senhor Milton Ribeiro, afirmou que o “homossexualismo” de alguns adolescentes é resultado de “uma família desajustada”. Sobre a parte da “causa e consequência” – e do termo “homossexualismo” que nem a minha avó usava mais – eu vou até ficar na minha. Não que não mereça tratados, palestras e seminários o combate a essa homofobia de traços primitivíssimos. Mas, desta vez, eu passo. Por preguiça de chover no molhado, assumo. Mas também porque fiquei pensando aqui numa pergunta que eu faria, se fosse entrevistar o ministro: o que é uma família desajustada?
Queria ver se estamos alinhados nessa definição. Porque tenho cá minha desconfiança de que, se concordarmos no conceito de “desajuste” – e a tese dele estivesse correta -, o Brasil teria população majoritariamente homossexual. O que não seria problema algum, mas sabemos que não é fato. Problema (real e coletivo) é essa quantidade de “famílias desajustadas” das quais, estando ele Ministro da Educação, pode muito bem começar a cuidar. Pela escola, claro. Exatamente onde estão as crianças e adolescentes gritando, pedindo socorro, apresentando sintomas comprovados de desajuste familiar. Além de sequelas graves, inclusive na sexualidade, mas não definindo orientação, como qualquer pessoa minimamente informada sabe.
Estudando um pouco, o ministro vai aprender que homossexualidade (é esse o termo correto) não é sintoma nem doença, mas marcas roxas no corpo, automutilação, tentativas de suicídio, gravidez na adolescência, agressividade excessiva, dificuldade de interação social, dificuldade de aprendizado – entre tantos outros – são, sim, sinais de alerta para a possibilidade de “famílias desajustadas”. Crianças e adolescentes contam o que acontece em casa, nem sempre de forma explícita. É preciso estar atento (e forte), capacitar os profissionais dessa linha de frente e atuar. Inclusive, evidentemente, com educação sexual, que eu também não tenho mais condições de explicar que não é “ensinar criança a transar”. Quem faz isso é a “família desajustada”, na maioria dos casos. Que vem, tradicionalmente, erotizando crianças e viabilizando estupros no “lar doce lar”. Esses, muitas vezes devastam indivíduos impedindo, inclusive, para sempre, o exercício pleno de suas (bi, pan, hetero ou homo) sexualidades.
Mas, divago. O que é mesmo uma “família desajustada”? É exatamente aquela que não cumpre o papel de acolher e viabilizar infâncias saudáveis. Isso é amplo e complexo, mas fácil de exemplificar. Num passeio pela web você pode ver várias situações. Sabe aqueles vídeos nos quais milhares de pessoas dão “curtidas” enquanto uma criança é exposta – provocada e chorando – por algum adulto imbecil? Pois é. Se aquilo é o que se publica, imagine o que acontece nas internas desses “lares”? Outro exemplo clássico é aquela categoria de vídeos nos quais papai ou mamãe “dá uma lição”. Só vejo sadismo, crueldade e abuso em todos eles. Nada mais longe de qualquer coisa que se possa chamar de educação. Mas tem “likes”, né? Segue o baile macabro. E desajustado, claro.
Famílias desajustadas confundem educação com humilhação e têm um “humor” bem equivocado. Famílias desajustadas sexualizam crianças perguntando, desde sempre, “cadê a namorada?”. Famílias desajustadas escondem violência doméstica, exibem mães “bem casadas” com homens que as maltratam. Famílias desajustadas não acreditam em crianças e adolescentes nem quando elas dizem, com todas as letras, “fui abusada”. Famílias desajustadas são lugares terríveis pra se viver a infância, mas é justamente lá que cresceu boa parte dos humanos que conhecemos, sejam eles bi, hetero, pan ou homossexuais.
Para estes últimos, talvez seja mais difícil. Isso porque homofobia, como sabemos, é um desajuste grave. Fora isso, famílias desajustadas não entendem nada de respeito e diálogo. Elas só sabem de uma hierarquia violenta e de fazer com que filhos engulam regras, de preferência calados. Dificilmente, se revisitam, revêm conceitos, assumem erros, pedem desculpas, se tratam. Algumas vezes, é facílimo identificar uma família desajustada. Quer um exemplo? Em 100% dos casos, são desajustadas aquelas famílias nas quais filhos (as) homossexuais precisam fingir heterossexualidade porque, de outro modo, sofrerão violências e serão expulsos (as) de casa. Só ajusta o foco, ministro. Vamos nos preocupar com o sofrimento – e não com a futura orientação sexual – de crianças e adolescentes que crescem, agora, em famílias desajustadas.
(Ah, uma dica: talvez você não associe “o nome à pessoa”, mas famílias desajustadas são, muitas vezes, conhecidas pelo codinome “tradicionais”. Pois. Era só isso mesmo. Beijo. Obrigada. Tchau.)