Bióloga foi celebrar aniversário de casamento e virou voluntária no Pantanal
Numa noite, há três semanas, ela abriu a janela e viu só fogo. Era uma daquelas chamas que destruíam tudo, e as árvores, ao caírem, provocavam um som de trovões, como se uma tempestade estivesse próxima. O barulho era do Pantanal em brasa. Menos de quatro dias antes, a baiana Luciana Leite, 34 anos, havia chegado com o marido para celebrar os quatro anos de casamento. Agora, tudo tinha mudado. Um dos biomas mais ricos do mundo queimava a sua frente. Os dois decidiram ajudar.
Quando ouviu o que parecia ser uma trovoada, Luciana havia acabado de se resguardar no quarto da pousada. O marido, Ben, estava na mata, com outras dezenas de pessoas. “A cena começou a mudar rápido, os lugares que eu vi vivos estavam queimando”.
Ela, bióloga, e ele, zoólogo, sempre sonharam em conhecer o Pantanal. Viajaram três dias de carro do Paraná, onde moram hoje, a Porto Jofre, no município de Poconé, em Mato Grosso. Ao cruzarem a estrada Transpantaneira, o primeiro susto: no horizonte, uma fuligem irritava os olhos e acinzentava a paisagem.
Depois de se acomodarem, a proprietária da pousada onde ficariam hospedados pelos próximos seis dias contou que o marido estava numa das planícies alagadas, como brigadista voluntário. No dia seguinte, o casal de turistas fez um passeio de barco, viu onças pintadas e conheceu um pouco do Pantanal. Mas a fumaça persistia e, mesmo sem ser vista, incomodava.
“Até que a história pipocou e o fogo começou a se aproximar das pousadas. A gente tinha um passeio noturno, mas fomos tentar ajudar e ver. Foi quando começou o desespero”, lembra. No terceiro dia, a viagem de comemoração virou uma expedição voluntária.
Então, no dia 9 de setembro, chegou a hora de voltar para casa. O marido de Luciana trabalha formalmente numa empresa e as férias acabariam dali a três dias, o tempo exato do trajeto. O que viram “foi um cenário apocalíptico”, recorda Luciana.
De volta, a bióloga passou a compartilhar experiências e entrar em contato com outros grupos para planejar o retorno ao Pantanal. “Entre essas pessoas estavam três mulheres – duas amigas e uma com quem tinha amigas em comum. A gente brincava que seríamos as ‘marmiteiras do Pantanal’. Viemos para fazer o que for necessário”, conta. A junção resultou na chamada “Comitiva da Esperança”.
O trabalho da comitiva
A pousada onde se hospedou com o marido já era um verdadeiro centro de apoio a voluntários quando Luciana retornou. O Pantanal, a essa altura, muito pouco tinha de parecido com o que havia ido conhecer com o marido. Os primeiros focos de calor começaram em junho, mas as chamas se espalham com mais intensidade desde o início de setembro. Segundo o Instituto Centro de Vida, o fogo destruiu 17% de todo o Pantanal, onde já são 5.820 pontos de incêndio, o maior número da história.
Os voluntários, ainda assim, apresentavam dificuldades como a falta de equipamento de proteção e água. Já os animais que não morreram queimados necessitavam de pontos de água e alimentação para sobreviver.
O grupo criado por Luciana trabalha em frentes variadas. Há um mapeamento do que é necessário, como compra de água e alimentos e envio de suprimentos para comunidades afetadas, por exemplo. “Depende de como está o dia. O fogo é dinâmico e ele que dita o que vai acontecer”, responde ela, sobre a rotina.
Um dia antes de conversar com a reportagem, por mensagem de áudio, Luciana e a Comitiva da Esperança foram chamadas para enviar um kit de socorro à tribo dos Guató dos Pirigaras. Os índios perderam tudo, inclusive suas roças de plantação, para o fogo.
Caso a situação se mantenha estável, Luciana pretende retornar dia 30 de setembro para casa e voltar ao Pantanal em missões. O trabalho, no entanto, será mantido mesmo à distância. Haverá outras bodas para comemorar.