Pais buscam creches informais, cuidadoras e professores particulares para volta ao trabalho antes das aulas em SP
Espaços e profissionais se reinventaram para receber crianças sem aulas há mais de seis meses na cidade. Cuidadoras também relatam que acolhem filhos de pais desempregados que saem à procura de emprego. A volta presencial ao trabalho ocorreu antes da volta às aulas em São Paulo. Com a retomada gradual da economia durante a quarentena imposta para controle do coronavírus, pais e mães encontram dificuldades para encontrar quem cuide das crianças enquanto trabalham. Com isso, cresceu a procura por creches informais, cuidadoras de crianças e professores particulares nas cidades da Grande São Paulo.
Mesmo quem pode cumprir o expediente de casa busca alternativas para os filhos, que muitas vezes têm dificuldades para se adaptar ao modelo de ensino à distância.
Na Zona Norte de São Paulo, Luciana Fonseca decidiu adaptar o espaço de recreação infantil que ela abriu em novembro para acolher famílias com crianças.
Chamado Quintalzinho de Brincar, o local funcionava como um espaço lúdico complementar à escola ou à creche, com pedagogas e monitoras. Os pais podiam deixar as crianças lá a qualquer momento do dia, pagando por hora. No entanto, desde que reabriu, em julho, o funcionamento do espaço passou a ocorrer em sistema de aluguel.
“A gente começou a oferecer somente a locação. Então é só uma família por vez, às vezes duas ou três famílias que fazem um grupo e alugam juntas, formando uma espécie de bolha”, explica. O aluguel é cobrado por hora, ao custo de R$ 60, com mínimo de duas horas por reserva.
Uma monitora recepciona os visitantes na chegada e faz a assepsia do local e dos clientes, mas não é responsável por tomar conta das crianças: essa tarefa fica a cargo do responsável pelo grupo, geralmente o pai ou a mãe de uma das famílias que se juntou na “bolha”.
Segundo a responsável pelo local, desde a reinauguração, em julho, o movimento já cresceu cerca de 60%. “Os pais não aguentam mais ficar em casa e as crianças estão precisando socializar. Geralmente o pai ou a mãe responsável que vem com as crianças aproveita o nosso wifi para trabalhar, fazer um reunião, enquanto continua de olho nos filhos e nos coleguinhas”, explica Fonseca.
Em Heliopólis, na Zona Sul de São Paulo, Ingrid dos Reis Santana, de 18 anos, passou a cuidar de crianças na casa das famílias por conta da pandemia. “Minha avó faz parte do grupo de risco, então como proteção passei a me locomover para a casa das crianças”.
Ela cuida de 5 alternando entre dias e horários diferentes. “A parte mais difícil é a locomoção de uma casa para outra, existem casos que as famílias moram um pouco mais distante. Mas como precisamos de dinheiro, a gente sempre dá um jeito”.
De acordo com a União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas) as creches da região estão fechadas e, como alternativa, algumas famílias deixam as crianças com parentes ou pagam uma cuidadora ou babá.
Um levantamento preliminar realizado pela Unas aponta que:
24,5% das famílias de Heliópolis optam por deixar o filho com familiares (destes, 10% deixam com avós)
15,1% das famílias pagam alguém de confiança para cuidar das crianças
Espaço de recreação na Zona Norte passou a receber pais que trabalham em home office junto com crianças durante a pandemia
Divulgação/Quintalzinho de Brincar
‘Creches parentais’
Em grupos no Facebook de moradores de bairros da capital, além de postagens de mulheres que trabalham como cuidadoras de crianças, há também pedidos de mães que querem criar “creches parentais”. O intuito delas é reunir crianças da região em uma mesma casa para que os pais possam voltar ao trabalho em alguns dias da semana, seja em regime de home office, seja presencialmente.
A cada dia da semana, uma família participante fica responsável por cuidar das crianças das outras envolvidas. O esquema costuma reunir moradores de um mesmo prédio, alunos de uma mesma escola ou vizinhos próximos.
“Estou com uma ideia de criar um esquema de creche parental com crianças/famílias do bairro, como uma solução temporária enquanto as escolas não reabrem. Tudo seria feito com medidas de proteção e prevenção a todas as pessoas envolvidas e a ideia seria criar horários e dias fixos pra juntar um grupo pequeno de crianças numa praça”, explica uma das postagens, de uma mulher que busca famílias interessadas nas regiões da Vila Romana, Pompeia, Lapa ou Perdizes.
Em outra postagem, uma mãe conta que já está adotando a tática com vizinhos. “Muito boa ideia, estou fazendo com meus vizinhos. Além de ser perto, ter crianças com idades próximas ajuda também”, afirma.
Osasco decide que não vai retomar as aulas presenciais neste ano
Professores particulares
A decisão sobre o retorno ou não às aulas também ficou a cargo das famílias. A paulistana Patrícia Nogueira optou por contratar uma professora particular para dar aulas presenciais para a filha Helena, de três anos. A menina estava matriculada em uma creche pública em Pinheiros, na Zona Oeste da capital, mas Nogueira decidiu que não vai mandá-la de volta para a creche neste ano.
Para sua surpresa, a filha de 3 anos lidou bem com o isolamento social no começo, mas a família começou a perceber na criança um desejo de interação social nos últimos meses.
“Ela gostava muito de ir pra escola, sempre foi uma criança sociável, que ia desde os 6 meses pra creche, mas ela entendeu muito rápido que tinha um ‘bichinho’ lá fora e que então não podia sair. Enquanto a gente estava muito isolado ela lidou melhor, mas nesse ultimo mês a gente sentiu que agora ela lembrou como é essa interação e passou a ter mais saudades”, conta.
“A gente sai na rua pra comprar pão na padaria e ela fala ‘oi’ pra todo mundo, o que eu acho que no fundo é uma saudade dessa interação social.”
Professoras particulares ouvidas pelo G1 relatam que houve aumento na procura por aulas presenciais no mês de agosto. Para elas, trata-se de uma tentativa de substituir, ao menos parcialmente, o modelo da escola convencional pelas aulas em casa.
A pedagoga Ana Carolina Novelli, é professora de inglês para educação infantil há 7 anos. Desde 2017 ela oferece aulas particulares do idioma para alunos dos 2 aos 6 anos. Por ter pouca disponibilidade de horário, Novelli conta que não está buscando ativamente novos alunos – mas percebeu um aumento na procura nos últimos meses.
“Houve um aumento grande na procura, especificamente de julho pra cá. Eu tenho recebido muitas propostas de fazer, em vez de aulas individuais, que eram as mais comuns, pequenos grupos de alunos, como dois irmãos com dois primos, para terem aulas juntos, ou então três crianças do mesmo prédio”, explica.
Novelli também percebeu que os pais querem, agora, aulas mais longas. “O pedido da duração da aula mudou bastante, o que geralmente seriam aulas de 1h, aulas individuais, eles têm pedido aulas de pelo menos 2h de duração. E sempre aula presencial”, conta.
A professora Lívia Lopes, que também oferece aulas de inglês para crianças pequenas, percebeu o mesmo aumento na procura. Ela afirma que, além das aulas do idioma, os pais de classe média alta também demandam tutores para acompanhar as atividades online que os filhos recebem das escolas.
“Depois que a prefeitura disse que realmente as escolas não vão reabrir agora em setembro, muitos pais já decidiram que não vão mandar as crianças para escola neste ano. Daí começou a surgir uma procura por pedagogas para que elas vão na casa das pessoas para fazer uma tutoria com as crianças, ajudando elas a fazer lição, assistir aulas da escola, porque os pais trabalham fora”, conta.
As duas professoras avaliam que, em termos pedagógicos, as aulas à distância não corresponderam às necessidades das crianças pequenas.
“Como educadora eu posso dizer que o cenário virtual que as escolas particulares oferecem para essa faixa etária não está suprindo as necessidades das famílias. E isso por várias razões, seja por conta do tempo de concentração, que nessa faixa etária é menor, seja por questões de exploração sensorial, de desenvolvimento motor”, avalia Novelli.
Com as atividades online, as famílias acabam tendo que gastar um tempo muito maior para acompanhar integralmente a criança para que ela execute as tarefas propostas pela escola. “E ainda assim as crianças acabam trocando esse tempo de convívio social que elas teriam com outras crianças por esse convívio exclusivamente familiar”, explica Novelli.
Essas necessidades pesaram quando Patrícia Nogueira decidiu optar por uma professora particular para sua filha Helena, em vez de uma cuidadora ou babá.
“A gente foi optando mais por esse perfil não só por liberar algumas horas do nosso dia pra gente focar 100% no trabalho, mas para que também ajudasse a Helena a se desenvolver de forma mais estruturada, porque mesmo uma criança pequena precisa de estímulos pedagógicos nesse momento. A gente tinha esse receio de, como pais, não darmos conta de prover para ela esses estímulos que ela precisa nessa fase”, conta Nogueira.
Crianças realizam atividade escolar em casa durante a pandemia de Covid-19
Jessica Lewis/Unsplash
Desemprego
Apesar dos relatos sobre crescimento na procura por creches informais e professores particulares, cuidadoras disseram ao G1 que “perderam” crianças por causa da pandemia e do aumento do desemprego.
Em Heliópolis, na Zona Sul, a cuidadora Josefa Maria da Costa, 42 anos, conta que recebe crianças de pais que saem para procurar emprego.
“Com a pandemia a maioria dos moradores perdeu emprego. Aqui em casa meu marido também ficou desempregado, nossa única fonte de renda no momento é isso e o auxílio emergencial”, afirma Josefa.
Segundo Josefa, apesar dos pais precisarem deixar os filhos com outra pessoa, a maioria deixou de pagar um cuidador mensalmente justamente pela falta de renda. Ela cobra entre R$ 25 (diária) e R$ 300 (mensal).
“No momento só me resta esperar que tudo se normalize, infelizmente, todo mundo foi afetado por essa crise”, conclui.
A cuidadora Silvia Helena Carvalho trabalha há 13 anos recebendo crianças em sua casa na Vila Progresso, Zona Leste da capital. Ela conta que, quando começou a quarentena por conta do coronavírus, perdeu a clientela.
“Quando começou a pandemia as crianças saíram todas porque algumas mães pegaram férias para ficar com seus filhos e ficar em casa isolados, outras famílias ficaram com a criança em casa mesmo trabalhando. No fim eu fiquei 3 meses sem criança nenhuma. No quarto mês, começou a aumentar de novo a procura de vagas, mas logo em seguida diminuiu novamente porque os pais foram dispensados do trabalho e não tinham como me pagar”, conta.
Ela afirma que atende principalmente famílias de baixa renda que, sem emprego, não têm como pagar os R$ 600 mensais que ela cobra. “As mães me procuram mais quando eu falo o valor do meu serviço, elas não tem como me pagar por ganharem pouco”, afirma.
A cuidadora avalia que, agora, o movimento é principalmente de mães que estão voltando ao trabalho após ficarem em casa durante a licença-maternidade. Também há mais procura para crianças pequenas, de 2 a 4 anos.
No ABC Paulista, recorrer a vizinhos para deixar os filhos enquanto os pais trabalham também é comum. Na região do Bairro dos Casas, em São Bernardo do Campo, uma dona de casa chegou a cuidar de 10 crianças.
“Hoje tenho três crianças comigo, mas os pais de uma já vão tirar porque perderam o emprego e não têm como pagar os R$ 120 que cobro para cuidar delas em um turno de cinco horas”, disse a cuidadora, que prefere não se identificar.
A pedagoga Cristiane Ribeiro, 41 anos, atendia 40 crianças de 0 a 12 anos em uma casa alugada em Perus, na Zona Norte de São Paulo, até o começo da pandemia. “Foi tudo muito rápido e assim que a pandemia e necessidade de isolamento social foram anunciados, os pais já foram me ligando para cancelar o meu atendimento.”
Ela tinha três tipos de atendimento: um integral, que começava às 7h e terminava às 19h; o complementar, que iniciava às 16h e terminava às 19h; e o atendimento por hora. “Aqui no bairro esse tipo de serviço é muito comum, principalmente por conta da distância dos grandes centros”, disse Cristiane.
Retomada da economia
Apesar da incerteza sobre a volta às aulas, os números do governo de SP mostram que a retomada da economia já está ocorrendo. O índice de isolamento social do estado, que indica o quanto a população paulista se desloca – cada movimentação que ultrapasse o raio de 200 metros da moradia é contabilizada como deslocamento – está em queda, o que mostra que boa parte da população voltou a sair, seja para trabalhar, seja para executar outras atividades.
O indicador, que mede qual percentual da população está ficando em casa a cada dia, caiu de 55% (média da semana recorde, entre 23 e 29 de março) para 43% (média da última semana, entre 7 e 13 de setembro).
O Plano São Paulo, criado pelo governo estadual para regular a reabertura gradual de setores da economia, já está em ação desde o dia 1º de junho.
De acordo com o plano, a partir de 8 de outubro, as cidades podem permitir a volta às aulas, desde que estejam há mais de 28 dias na fase amarela. Apesar da autorização do governo, apenas 107 dos 645 municípios de SP já permitiram a reabertura de escolas para atividades de reforço, autorizada desde 8 de setembro.
Muitas cidades não devem acatar a permissão para retomar as aulas regulares em outubro. Na Grande São Paulo, 9 municípios já anunciaram que os alunos não vão voltar em 2020. O prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), liberou nesta quinta (17) a reabertura das escolas para atividades de reforço em outubro. A retomada das aulas na capital, no entanto, segue sem previsão.