O que faz de Christian Louboutin o rei do salto alto


Exposição dedicada ao estilista, conhecido pelos sapatos de sola vermelha, revela sua educação pouco ortodoxa e principais influências. O trabalho do estilista é conhecido mundialmente – e os ‘Louboutins’ se tornaram ícone de status
DIVULGAÇÃO/CHRISTIAN LOUBOUTIN via BBC
Uma exposição em Paris sobre o designer de sapatos e acessórios de moda Christian Louboutin reuniu não só suas principais criações – incluindo mais de 400 modelos de sapatos – como lançou luz sobre a educação pouco ortodoxa que o estilista recebeu dos pais na infância e as principais fontes de inspiração para seu trabalho.
Quando Louboutin, nascido em Paris, abriu sua primeira loja na Rue Jean-Jacques Rousseau em 1991, uma de suas primeiras clientes foi a princesa Caroline de Mônaco.
Desde então, começou a ser o queridinho de artistas como Jennifer Lopez, Tina Turner, Beyoncé, Sarah Jessica Parker e Blake Lively – e, desde que lançou seus primeiros calçados masculinos em 2010, Leonardo DiCaprio.
Em 2006, o estilista lançou sua primeira coleção de bolsas e, em 2014, sua primeira linha de produtos de beleza. Hoje, há 150 lojas Christian Louboutin ao redor do mundo.
Recriando a estética extrovertida e chamativa de Louboutin, a exposição em Paris se chama L’Exhibition[nist]. No entanto, como revela a própria mostra, há muito mais nos seus sapatos de sola vermelha, salto agulha e tênis cravejados do que brilho e glamour.
Dividida em 10 seções, a exposição revela seu vasto conhecimento sobre história da moda e objetos de arte, paixão que começou durante as visitas na infância ao Palais de la Porte Dorée, em Paris, onde a exposição está em cartaz até julho.
Esses saltos de Louboutin foram inspirados no punk
Divulgação via BBC
Louboutin morava nas redondezas e era frequentador assíduo do salão de exposições no início dos anos 1970. Assim como agora, o espaço ostentava um aquário, e Louboutin passava horas hipnotizado por seus peixes cintilantes e luminosos.
Seu sapato Maquereau, de aparência surreal, feito de couro metálico, foi criado em 1987 a partir dessa experiência.
Nos anos 1970, o prédio abrigava o Museu Nacional das Artes Africanas e Oceânicas; hoje é ocupado pelo Museu da História da Imigração.
“Era intrigante, cheio de máscaras e joias”, diz Louboutin à BBC Designed.
“A maioria dos principais museus de Paris fica no oeste da cidade. Esta é uma joia escondida no leste. Meus pais proletários eram da Bretanha. Eu tive uma ótima infância, mas gostava de fugir da rotina. Muitas vezes eu matava aula na escola e fui expulso. ”
Seus pais não eram rigorosos, e deram muita liberdade a ele. Louboutin começou a desenhar sapatos com 10 anos. Como a primeira parte da exposição revela, sua obsessão por sapatos surgiu ao ver um aviso no museu proibindo os visitantes de usar salto alto no piso de parquet.
O cartaz mostrava o desenho de um sapato alto típico dos anos 1950 com um X em cima.
“Mais do que me sentir atraído por coisas proibidas, fui atraído pelo cartaz por motivos estéticos”, relembra.
“Me ocorreu que a maioria dos objetos começa a vida como um desenho.”
Essa memória inspirou a criação do seu best-seller, o sapato Pigalle com sola vermelho escarlate e salto agulha, que conferem a ele uma conotação fetichista.
Louboutin teve a ideia de pintar a sola de vermelho, sua marca registrada, ao ver um protótipo sem brilho do sapato. Num pensamento rápido, ele pegou o esmalte de unha da assistente e pintou a parte inferior de vermelho para dar vida à criação.
A relação pessoal do artista com o Palais de la Porte Dorée confere à exposição mais autenticidade. O edifício foi projetado por Albert Laprade, Léon Jaussely e Léon Bazin para a Exposição Colonial Internacional de 1931.
Christian Louboutin, aos 14 anos, em Paris – ele já tinha começado com design de sapatos aos 10 anos
Divulgação via BBC
O escultor Alfred Janniot esculpiu sua fachada ornamentada e exótica em baixo-relevo, imaginando navios, oceanos, antílopes e cobras. Eugène Printz e Jacques-Émile Ruhlmann supervisionaram o interior do prédio, cujos murais foram pintados por Pierre-Henri Ducos de la Haille, entre outros artistas.
“Há cerca de seis anos, levei meu CEO Bruno Chambelland para lá. Estava vazio há 10 anos, empoeirado, precisando de restauração”, conta.
“Entrei em contato com a [diretora-executiva] Hélène Orain. Como eu me lembrava de como era o museu naquela época e a equipe não, eles brincaram que eu era o melhor embaixador [do museu] e perguntaram se eu consideraria restaurar partes dele.”
“Ajudei a restaurar a fachada e os móveis. E, gradualmente, concebemos a ideia desta exposição, que também apresenta várias das minhas colaborações com outros designers”, explica.
Influências
Quando criança, Louboutin também frequentava os cinemas da região.
“Fiquei fascinado pelos filmes egípcios e de Bollywood que passavam.”
Por coincidência, seis anos atrás, uma de suas irmãs revelou que ele era filho de um homem egípcio com quem sua mãe teve um caso.
“É engraçado porque eu fantasiava na infância que tinha sido adotado, já que minha pele era mais escura do que a das minhas três irmãs loiras. Então foi uma surpresa agradável”, diz.”
Os designs de Louboutin também levam em conta a diversidade. Em 2006, ele criou uma coleção de sapatos nudes (cor da pele), que dão a impressão de alongar as pernas, inspirado em uma de suas pinturas favoritas, Retrato de Jean de Beauvau, do século 16. Na obra, atribuída a François Quesnel, Beauvau aparece usando um sapato da mesma cor de suas pernas.
Mas quando um colega negro de Louboutin observou a imprecisão de chamar os sapatos de tons claros de “cor da pele”, ele decidiu ampliar a coleção para incluir tons mais escuros.
Estes sapatos estão expostos em outra seção, junto com esculturas de sapatos forrados em couro de autoria da dupla britânica de artistas Whitaker e Malem.
Suas primeiras idas ao cinema podem ter despertado a paixão por cores fortes e saturadas. Ele se lembra com carinho do filme a cores Duas Garotas Românticas (1967), de Jacques Demy, estrelado por Catherine Deneuve e sua irmã Françoise Dorléac.
Moda na pandemia
E é fã de longa data de artistas da Pop Art, como Andy Warhol e Allen Jones, e da dupla francesa Pierre et Gilles (conhecidos pelas cores vivas de suas imagens, que referenciam a iconografia religiosa e o kitsch), além de James Bidgood, que dirigiu o filme cult The Pink Narcissus (1970), repleto de cores.
Mas o quanto a liberdade que recebeu na infância influenciou sua marca?
“É por isso que minha empresa é independente”, diz ele.
“Foi construída com os mesmos princípios de confiança e liberdade. As inspirações da minha juventude são perenes.”
No final da década de 1970, Louboutin estava imerso nas subculturas punk e gay de Paris. Ele estrelou o documentário cult Race d’Ep (1979), que argumentava que a libertação gay tinha suas raízes em meados do século 19.
Ele também frequentava a lendária boate de Paris Le Palace, a resposta da cidade ao Studio 54 – uma casa noturna radicalmente inclusiva que recebia gente de todas as idades, cores e credos. Entre seus habitués, estavam o filósofo Roland Barthes, então na casa dos 60, e Jean-Paul Gaultier.
A lista de amigos de Louboutin incluía ícones de estilo, como Paquita Paquin, e a modelo argelina Farida Khelfa.
“Achávamos que nossa ‘gangue’ era a melhor”, diz Louboutin.
O sapato Pigalle de sola escarlate é um típico ‘Louboutin’
Divulgação via BBC
“Olhando para trás, o punk francês era ultraglamouroso, nem um pouco sombrio – usávamos pulseiras enormes de alfinete, nunca fizemos piercings.”
Naquela época, Louboutin trabalhava nos camarins da casa de espetáculos Folies Bergère, depois aprendeu seu ofício com os estilistas de sapato Charles Jourdan e Roger Vivier. Também trabalhou brevemente como arquiteto paisagista.
“Não durou muito: eu sentia falta dos meus sapatos”, afirma.
A terceira parte da exposição apresenta seus primeiros esboços, modelos e portfólios, que ele mostrava a potenciais empregadores, assim como painéis de vidro colorido que reverenciam suas influências, de Andy Warhol às plumas do Folies Bergère – uma parceria com a Maison du Vitrail de Paris, famosa por suas oficinas de vitrais.
Ele também trabalhou como freelancer para Saint Laurent, Chanel e a estilista de sapatos Maud Frizon; alguns dos designs que fez para eles estão expostos na terceira parte da mostra.
Louboutin admite, no entanto, que não estava preparado para trabalhar para os outros: “Achei difícil ser artesão das nove às cinco”.
A mesma parte da mostra também exibe os principais designs criados logo depois que ele abriu sua primeira loja, incluindo o sapato Pensée, de 1992, inspirado nas série Flowers (Flores),de Andy Warhol, nos anos 1960.
Nesta seção, você pode conferir ainda as botas Bottinos, com salto plataforma, de 1996, feitas de couro lavrado, que revelam quão meticulosos são seus designs.
“Uma tela do século 17 que comprei em um leilão me deu a ideia para fazer isso”, diz ele.
O couro lavrado é resultado de uma antiga técnica de trabalho em couro, conhecida como “repoussé”, que combina couro e gravura em madeira. Você começa com um desenho usado para fazer xilogravuras. E coloca sobre o couro, que é martelado até ficar em baixo relevo. Em seguida, há um processo de enceramento que deixa o couro brilhante.
“Viajei por toda a Europa para encontrar um artesão capaz de fazer isso, até que encontrei um na Avenue Daumesnil, a apenas alguns passos de onde eu cresci. As botas são adornadas com uma estampa de pétalas de hortênsia”, conta.
“Para criá-las, encontrei uma pessoa em Chilly-Mazarin, no subúrbio de Paris, especializada em resinas. Os saltos esculpidos foram inspirados na designer francesa de joias do século 20 Line Vautrin.”
“Acabei pedindo à filha dela, Marie-Laure Bonnaud-Vautrin, que desenhava joias com a mãe, para ajudar a criar os saltos, um processo complexo que combinava mica, vidro, alumínio e resina epoxi.”
Muitos dos primeiros designs de Louboutin apresentam essa estética barroca e bem trabalhada. Outro exemplo é o sapato Marie-Antoinette, de 2008, uma cocriação com a bordadeira francesa Jean-Francois Lesage.
“Eu estava com o filme da Sofia Coppola, Maria Antonieta (2006), na cabeça, com suas cores fortes e vibrantes. Essa criação envolveu várias técnicas e materiais, incluindo um tipo de bordado chamado “cannetille”, que usa um fio metálico fino, tecido de musseline e pérolas”, explica.
Outra criação sua em exposição é a bota de salto alto Corset d’Amour, de 2019, feita de renda preta, cetim e couro, inspirada na figura de mulheres de espartilho nos anos 1890.
Esta seção também inclui um sapato criado por Louboutin usado na último desfile de Yves Saint Laurent em 2002.
Uma outra parte da mostra dá uma ideia de quão trabalhosa é a arte de fabricar calçados. Há ferramentas e materiais expostos, além de filmes explicando as diversas técnicas envolvidas.
A penúltima seção foca no status dos “Louboutins” – como os sapatos do estilista são conhecidos. Em 2009, a cantora Jennifer Lopez escreveu a música Louboutins em homenagem a eles, e celebridades mais jovens, incluindo a modelo Bella Hadid e a atriz Zendaya, se declaram fãs de carteirinha – o que evidencia o apelo da marca entre diferentes gerações.
A exposição termina com Louboutin revisitando sua parceira com o cineasta David Lynch, em 2007, que fez uma leitura do potencial fetichismo dos sapatos por meio de fotografias de calçados impossíveis de serem usados, como alguns saltos exageradamente altos.
Mas Louboutin é reticente em afirmar que suas coleções sejam de fato fetichistas.
“Compreendo que alguma pessoas os percebam dessa maneira”, admite.
“Mas as pessoas projetam suas próprias ideias no trabalho de um designer, e às vezes não é a mesma concepção do designer. Os espinhos metálicos nos meus sapatos não têm a ver com fetichismo, são uma referência ao estilo punk. ”
Dito isto, ele parece colocar mais ênfase atualmente na sensualidade.
“Meus primeiros desenhos eram mais arrumados, enfeitados. Agora, tendo a optar pela simplicidade, por designs mais descobertos, que enfatizem o formato das pernas. Passei do bem vestido ao despido.”