Post usa foto antiga de madeireiros para acusar ONGs por incêndios na Amazônia
- Conteúdo verificado: Publicações nas redes sociais reproduzem postagem de Facebook que diz que indígenas prenderam em flagrante membros de ONGs que seriam incendiários.
São falsas as postagens que acusam ONGs de serem responsáveis pelas queimadas na Amazônia. Nas publicações, é usada uma foto antiga de indígenas prendendo madeireiros ilegais. A viralização da mesma imagem já havia ocorrido em agosto do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, sem provas, que poderia “estar havendo ação criminosa desses ongueiros para chamar a atenção contra o governo”.
Tanto naquela época quanto agora, o clique vem acompanhado da legenda: “Lembram que caíram de pau em cima de Bolsonaro, quando disse suspeitar que ONGs estariam envolvidas nos incêndios na Amazônia? Índios prenderam incendiários em flagrante. Outro preso pela polícia em Iranduba”, insinuando que os indígenas estariam prendendo membros de organizações não governamentais.
Não é verdade. A imagem foi registrada pelo fotógrafo Lunaé Parracho para a agência Reuters e mostra uma operação de indígenas da etnia Ka’apor na terra indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, contra a exploração ilegal de madeira em 7 de agosto de 2014. Com membros de outras tribos, eles prenderam e expulsaram desmatadores daquele local – e não funcionários de uma ONG.
Uma das páginas que viralizou a foto no Instagram desta vez, o perfil @Galeradadireita retirou o post do ar após constatar que seu conteúdo era falso, conforme contou ao Comprova, e postou uma errata após entrevista com a equipe. Outros internautas que publicaram a foto com a legenda falsa foram contatados, mas não deram retorno ao Comprova até a publicação desse texto.
Como verificamos?
O Estadão Verifica, um dos 28 veículos parceiros do Projeto Comprova, havia feito uma investigação da mesma imagem no ano passado. Por meio desse trabalho, conseguimos identificar a foto e o fotógrafo, com quem fizemos contato via Instagram.
Na sequência, mandamos mensagem para o perfil do Instagram @Galeradadireita, que publicou o conteúdo verificado e retirou-o do ar. Também tentamos falar com outros perfis que compartilharam o post, mas não obtivemos resposta.
Verificação
A foto
A imagem foi feita pelo fotógrafo Lunaé Parracho, da agência Reuters, em 7 de agosto de 2014. Ela mostra membros da etnia Ka’apor detendo madeireiros que atuavam ilegalmente dentro da terra indígena Alto Turiaçu, nas imediações da cidade de Centro do Guilherme, no Noroeste do Maranhão.
De acordo com Parracho, a operação foi feita porque os indígenas, também chamados de Caapores, estavam cansados da falta de assistência do governo para acabar com a exploração ilegal da madeira e se juntaram a outras tribos para expulsar os desmatadores.
O caso virou notícia na época. Em 5 de setembro daquele ano, a Folha de S. Paulo publicou reportagem com o título: “Índios prendem e agridem madeireiros invasores no Maranhão”.
No site de fotografia da Reuters é possível ver a sequência com a foto verificada aqui. Há imagens dos indígenas tirando as roupas dos desmatadores, de um caminhão carregado de toras, de tratores usados para desmatar e de caminhões sendo queimados. A série, chamada de “Guerreiros da Amazônia lutam contra madeireiros”, foi premiada no China International Press Photo Contest, em 2015.
Parracho é gaúcho e se dedica desde 2011 a questões sociais e ambientais do Brasil – a Amazônia é um de seus principais focos. Colabora com a agência Reuters desde 2012 e já teve seus trabalhos publicados em veículos como The Guardian, The Wall Street Journal, Al Jazeera e The Washington Post, entre outros.
“Quando fiz essa foto, sentia esperança ao ver aqueles guerreiros protegerem suas terras. É o contrário do que sinto ao vê-las sendo usadas nessas fake news, que passam por cima de todos nós como um rolo compressor. Elas roubam a verdade daquele povo em resistência, e isto é uma síntese do genocídio que estamos vivendo. Sinto que estamos sendo esmagados, como todos provavelmente estão se sentindo, tendo clareza ou não do que está acontecendo”, afirmou Parracho sobre o uso de sua foto no conteúdo verificado aqui.
Bolsonaro x ONGs
As críticas do presidente Jair Bolsonaro às ONGs vêm desde 2019, quando as queimadas na Amazônia viraram notícia em todo o mundo. Em agosto do ano passado, ele acusou, sem provas, as organizações de estarem por trás dos incêndios na floresta.
Três meses depois, o presidente pediu em uma de suas lives para que as pessoas não fizessem doações para ONGs. “Logicamente o mundo não está vendo o que eu estou falando aqui, mas não doem dinheiro para ONG. ONGs não estão lá [na Amazônia] para preservar ambiente, mas em causa própria.”
Recentemente, em nova live, disse que não conseguia “matar esse câncer chamado ONG”. “Você que está numa ‘ONGzinha’ aí pegando grana de fora. Vocês sabem que as ONGs, em grande parte, não têm vez comigo, a gente bota para quebrar em cima desse pessoal lá. Não consigo matar esse câncer em grande parte chamado ONG que tem na Amazônia.”
O perfil
Contatado pelo Comprova, o perfil @galeradadireita no Instagram, que republicou o post que já havia circulado no ano passado, informou que retirou o conteúdo do ar após constatar “que era fake”. Sobre publicar sem checar a veracidade, Julio Cesar, responsável pela página, disse que “esta vez, infelizmente, passou” e que vai redobrar a atenção.
No dia 10 de setembro, após contato com o Comprova, o perfil publicou uma errata. Na legenda, escreveu: “Boa tarde a todos!! A página Galera da Direita publicou esse post ontem (e) foi constatado que se trata de notícia fake. Peço desculpa a todos seguidores e vamos tomar mais cuidado com nossas publicações!! (Jo 8,32) ‘conhecereis a verdade e a verdade vos libertarás!!!’.
Apesar da correção, há outros conteúdos considerados falsos e enganosos na página, como o que distorcia informações para afirmar que a Organização Mundial da Saúde havia pedido desculpa por reviravoltas com hidroxicloroquina e o que dizia que a OMS concluiu que pacientes assintomáticos não transmitem a covid-19.
O perfil posta conteúdos favoráveis a Bolsonaro, contra o ex-presidente Lula e a TV Globo. De acordo com o autor, ele não tem ligação com nenhum partido. “Sou somente um brasileiro que está cansado de ver o país ser saqueado por políticos ladrões e uma imprensa totalmente complacente”, afirmou ao Comprova.
Já o perfil do Facebook que escreveu o post original não respondeu ao pedido de entrevista do Comprova.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia. É o caso do post do @Galeradadireita, que distorce a informação de uma foto verdadeira para enganar os leitores e acusar ONGs pelos incêndios na Amazônia.
Vivemos um momento delicado, em que a maior floresta do mundo está sob ameaça, sofrendo incêndios criminosos, e o presidente minimiza o perigo. No mês passado, ele chegou a afirmar que “Essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira“. A disseminação de conteúdos que reforçam essa visão, falsa, apenas agrava os riscos que a Amazônia corre. Não foi possível medir a viralização do post do @Galeradadireita no Instagram, mas, no Facebook, o conteúdo já foi compartilhado mais de 91 mil vezes desde 26 de agosto de 2019, quando começou a se espalhar.
Além do Estadão Verifica, a Agência Lupa e o AFP Checamos também investigaram o post no ano passado. E o Comprova já mostrou outros conteúdos ligados a queimadas, como o vídeo que mostrava fogo controlado feita pelo Ibama, e não incêndio provocado para culpar o presidente.
Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original.
*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 29 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas da Folha, UOL e Estadão, e validada, através do processo de crosscheck, por cinco veículos: Jornal do Commercio, Gaúcha ZH, Poder 360, CORREIO e piauí.