‘Guardiões do Crivella’: Polícia apreende celular e computadores de assessor apontado como chefe do esquema
Juíza Soraya Pina Bastos, do Plantão Judiciário, expediu nove mandados de busca e apreensão em endereços ligados a funcionários comissionados mobilizados para atrapalhar repórteres — muitas vezes aos gritos.
A Polícia Civil do RJ iniciou nesta terça-feira (1) a Operação Freedom, contra os “Guardiões do Crivella” — um grupo de assessores da Prefeitura do Rio mobilizados para atrapalhar o trabalho da imprensa. Também nesta terça, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) instaurou uma investigação sobre possível prática de crimes no esquema.
A juíza Soraya Pina Bastos, do Plantão Judiciário, expediu ao todo nove mandados de busca e apreensão em endereços ligados a funcionários do esquema, exposto nesta segunda-feira (31) pela TV Globo. Não há mandados de prisão.
Homem conhecido como ML foi levado para a delegacia para prestar esclarecimentos — Foto: Reprodução/ TV Globo
Um dos alvos é Marcos Paulo de Oliveira Luciano, o ML, que aparece em grupos de WhatsApp dando ordens aos assessores.
Com ele, agentes da Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE) apreenderam notebooks, celular, dinheiro, cheques, contratos e um pacote escrito “Crivella”.
ML e outras duas pessoas foram levados para a delegacia para prestar esclarecimentos.
Marcelo Crivella e homem conhecido como ML — Foto: Reprodução/ TV Globo
O G1 apurou que o inquérito aberto na Draco-IE investiga os “guardiões” pelos crimes de associação criminosa e atentado contra a segurança ou o funcionamento de serviços de utilidade pública.
“Não é preciso muita divagação teórica para demonstrar que o serviço da imprensa — goste ou não — constitui efetivo papel de utilidade pública”, diz o inquérito.
Também há a suspeita de peculato — crime praticado por funcionário público contra a administração.
“O próximo passo é ouvir a chefia de gabinete do prefeito”, explicou o delegado Willian Pena Junior. “Se no decorrer da investigação surgir algum indício de cometimento de crime por parte do prefeito, isso será enviado para o Ciaf e para o Gaocrim”, emendou.
O Ciaf é a Coordenadoria de Investigação de Agentes com Foro da Polícia Civil. O Gaocrim é o Grupo de Atuação Originária Criminal do MPRJ.
Pena Junior afirmou ainda que alguns dos mandados não foram cumpridos por causa das restrições impostas pelo Supremo.
Policiais apreenderam computadores e papéis que possam ajudar nas investigações sobre suposto esquema formado por funcionários públicos para atrapalhar o trabalho da imprensa — Foto: Reprodução/ TV Globo
Plantão para agressões
A reportagem revelou que o esquema mobilizou funcionários comissionados da Prefeitura do Rio, escalados para a porta dos hospitais municipais, para atrapalhar reportagens e impedir que a população denuncie problemas na área da Saúde.
A organização tem plantões diários, horários rígidos e ameaças de demissão.
Nesta terça (1), o Bom Dia Rio mostrou que houve uma debandada em um dos grupos e que os “guardiões” também agem nas redes sociais.
Funcionários da prefeitura fazem plantão em hospitais para impedir acesso de pessoas
Funcionários mandam selfies para dizer que chegaram aos hospitais — Foto:
Resumo
A reportagem mostrou que:
- por grupos de Whatsapp, funcionários públicos são distribuídos por unidades de saúde municipais para fazer uma espécie de plantão;
- em duplas, eles tentam impedir reportagens com denúncias sobre a situação da saúde pública e intimidar cidadãos para que não falem mal da prefeitura;
- após serem escalados, eles postam selfies para dizer que chegaram às unidades;
- um dos funcionários aparece em várias fotos ao lado de Crivella e tem salário de mais de R$ 10 mil;
- quando conseguem atrapalhar reportagens, eles comemoram nos grupos;
- a prefeitura não nega a criação dos grupos e diz que faz isso para “melhor informar a população”.
Um dos números do grupo aparece registrado como sendo do próprio prefeito, Marcelo Crivella. O Jornal Nacional apurou que o prefeito já usou esse número. A equipe de reportagem ligou, mas ninguém atendeu.
“O prefeito, ele acompanha no grupo os relatórios e tem vezes que ele escreve lá: ‘Parabéns! Isso aí!’”, contou à TV Globo um dos participantes dos grupos.
Funcionários da Prefeitura do Rio tentam impedir a imprensa de mostrar queixas de cidadãos
Quem é ML
A TV Globo teve acesso às mensagens de três grupos em que os “guardiões” se comunicam. Marcos Luciano está sempre dando ordens. “Marquem durinho aí, hein. Não dá mole pra eles, não”, diz em uma das mensagens.
Em 2018, Marcos Luciano ganhou uma moção de aplausos e louvor na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a pedido da deputada Tia Ju, do Republicanos, o mesmo partido de Crivella.
Guardiões do Crivella: veja quem são os funcionários públicos que faziam plantão em hospitais municipais para impedir o trabalho da imprensa — Foto: Reprodução/TV Globo
O currículo de Marcos, apresentado na época, revela a proximidade dele com o prefeito. Trabalhou como missionário com Crivella na África e no Nordeste do Brasil, foi um dos coordenadores das campanhas eleitorais do bispo ao Senado e à prefeitura.
Desde 2017, Marcos Luciano é assessor especial do gabinete do prefeito. Em julho, o salário foi de R$ 10,5 mil.
“O sistema todo é chefiado pelo doutor Marco Luciano. Doutor Marco Luciano é um amigo do Crivella. É o chefão geral, tá? Não sei se ele é parente, se é da Igreja Universal, não sei, não, mas sei que ele é muito chegado. É uma pessoa de extrema confiança do prefeito Crivella.”
A fala é de um dos contratados da prefeitura que fez parte do esquema para vigiar a porta dos hospitais. Ele diz que era intimidado pelos chefes.
“Todo tempo, ameaça é de demissão. Quando eles fazem reuniões com a equipe, ninguém pode entrar de celular e passam detectores de metal em cada funcionário e as reuniões são geralmente na prefeitura, e é muita ameaça.”
Marcelo Crivella e homem conhecido como ML — Foto: Reprodução/ TV Globo
As ‘invasões’
Em uma entrevista ao vivo para o Bom Dia Rio em 20 de agosto, no Hospital Rocha Faria, Dona Vânia cobrava uma transferência para a mãe que tem câncer, mas não conseguiu terminar a conversa com a repórter Nathália Castro porque dois homens começaram as agressões verbais e gritos de “Bolsonaro”.
A repórter pediu desculpas para Vânia, encerrou a reportagem e as agressões dos dois homens continuaram, gerando uma confusão.
Dias depois, no Hospital Rocha Faria, o repórter Ben-Hur Corrêa falava da falta de equipamentos de raios-x e da situação do caixa da prefeitura, quando dois homens impediram a reportagem.
Em seguida, um dos homens botou o crachá e foi em direção ao interior do hospital.
Os ataques não acontecem por acaso. Ao contrário: são organizados e pelo poder público.
Os agressores são contratados da Prefeitura do Rio. Recebem salários pagos pelo contribuinte para vigiar a porta de hospitais e clínicas, para constranger e ameaçar jornalistas e cidadãos que denunciam os problemas na saúde da capital fluminense.
Servidores conhecidos como ‘guardiões do Crivella’ atrapalham reportagens nos hospitais
Guardiões
A TV Globo teve acesso às conversas desse e de outros dois grupos. Um identificado como Assessoria Especial GBP — gabinete do prefeito — e o outro, como Plantão.
É por esses grupos que os funcionários da prefeitura ficam sabendo pra onde vão – em duplas ou sozinhos – para cumprir o dia de trabalho e impedir que se mostrem as dificuldades na saúde.
Quando chegam nas unidades, ainda de madrugada, precisam registrar a presença. Na rotina, todos os dias têm que mandar selfies do lugar onde estão: “Hospital Souza Aguiar, cheguei cedo”; “Bom dia companheiros, mais um dia no Albert Schweitzer”; “Equipe Pedro 2º”; “Hospital Evandro Freire – Beto e Dani” foram algumas mensagens postadas.
Depois de bater essa espécie de ponto, os funcionários públicos monitoram e relatam tudo o que acontece na porta das unidades de saúde. Principalmente a chegada dos jornalistas.
Foi assim, na quinta-feira (27), quando a equipe da Globo esteve no Rocha Faria. Eles ficam sempre com o celular na mão, fazem vídeos dos jornalistas, estão sempre perto da reportagem e esperam o momento de agir.
O que diz a prefeitura
Em nota nesta segunda (31), a Prefeitura do Rio disse que “reforçou o atendimento em unidades de saúde municipais no sentido de melhor informar à população e evitar riscos à saúde pública, como, por exemplo, quando uma parte da imprensa veiculou que um hospital (no caso, o Albert Schweitzer) estava fechado, mas a unidade estava aberta para atendimento a quem precisava”.
“A Prefeitura destaca que uma falsa informação pode levar pessoas necessitadas a não buscarem o tratamento onde ele é oferecido, causando riscos à saúde.”
Nesta terça, uma nova nota:
“Funcionários ficam nas portas dos hospitais para esclarecer a população. A prefeitura também lamenta que o Ministério Público tenha recebido a denúncia.”
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