Amar era uma conexão discada

Quando tudo ainda era mato na internet, conectar-se convidava a uma experiência quase transcendental. Conseguir o sinal desafiava a nossa compreensão sobre a impermanência das coisas – nada garantia que o acesso fosse durar mais que cinco minutos. E haja paciência para recomeçar a operação do zero: ligar para a companhia telefônica, colocar o fone no gancho, rezar para dar certo.

Daí vinha o zumbido, um “vai, não vai” que parecia eterno, até que finalmente surgissem, subindo na tela cinzenta do computador de mesa, os primeiros números e letras. Bingo! Amar era uma conexão discada, como diz o título do livro de Saulo Dourado que, entre encontros e desencontros de adolescentes, tem a história dessa capinagem tecnológica como pano de fundo. Tomo de empréstimo.

Sim, porque já somos históricos, baby. Nós, os dinossauros, que compramos os primeiros computadores de mesa no começo dos anos 90 e que ainda hoje temos adoráveis amigos que seguem analógicos. “Eu, você, nós dois, já temos um passado, meu amor…”. E ele envolve, desde a era mesozoica, dezenas de disquetes coloridos nas gavetas, nos quais não cabe sequer um arquivo MP3.

Mas como pareciam velozes as configurações dos primeiros modelos de computadores de mesa, com seus 200 Mhz e 48 MB de memória Ram. Não dominava, e não domino ainda, esses termos tecnológicos definidores da capacidade dos aparelhos. Meus passeios no território, hoje capinado, urbanizado e poluído, da internet é tão distraído quanto as caminhadas que faço na Praça da Igaratinga.

Se tenho alguma dúvida, peço conselhos ao meu afilhado de 7 anos. Ele costuma pesquisar na internet os preços dos brinquedos, antes de enviar para mim prints e links por mensagem de texto com aqueles que gostaria de ganhar de presente. Aprendi, por exemplo, que o comércio de games desafia os entraves do isolamento. Descem direto nos consoles. Santa tecnologia, Batman!

Penso nos meus amigos que morreram antes dos anos 2000, que nunca conheceram esse universo de infovias populosas e tráfego de dados. Qual seria a frase que Guilherme escolheria para colocar no perfil do Facebook? Aquela da canção dos Smiths que ele me disse logo que nos conhecemos? Um verso de Florbela Espanca, maybe. O trecho de uma das letras que escrevia para sua banda de rock?

E Rachel? O que estaria compartilhando em suas redes? Poemas, textos profissionais, memes? Quem sabe, o vídeo do Whitesnake da música que adivinhamos no bar da praia, quando ganhamos uma garrafa de vinho. Is this love. Fazia frio, a chuva inundou a barraca de camping. Penso em Adal e em como foi curta a sua passagem, hoje página-memorial que acumula mensagens de aniversário a cada julho.