Ações para conter abandono e evasão escolar são raras, aponta levantamento em 20 redes públicas


Com aulas presenciais suspensas desde março e estudantes com dificuldade de acesso às atividades remotas, há risco de desistência dos estudos. Pandemia eleva riscos de abandono e evasão escolar, aponta levantamento.
Reprodução/RPC
As ações para conter o abandono dos estudos e a evasão das escolas públicas ainda são “raras” nas secretarias de ensino, aponta um levantamento feito em 20 redes públicas, divulgado nesta sexta-feira (28).
“Abandono escolar” é quando o aluno desiste de estudar durante o ano letivo, mas ainda está matriculado. Já a “evasão” é quando ele deixa de frequentar a escola e encerra a matrícula.
Os dados apontam que, em geral, os únicos responsáveis para conter a fuga dos alunos são os gestores das escolas e os professores, que fazem a busca pelos estudantes que não estão dando retorno nas aulas.
No entanto, as ações são isoladas e não há um plano articulado com o poder público, aponta o relatório “Planejamento das redes de ensino para a volta às aulas presenciais: saúde, permanência e aprendizado”, feito pelo Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB) Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede).
O estudo classifica o risco de evasão como o único “ponto crítico” da educação durante a pandemia.
Além deste item, há os “pontos de atenção” nas redes ouvidas, como as ações para garantir a saúde e segurança da comunidade escolar; o diagnóstico de aprendizagem; as estratégias para o cumprir o currículo previsto para 2020; e para atender às particularidades da educação infantil (leia mais abaixo).
Diagnóstico, articulação e ação
Para Ernesto Faria, diretor executivo do Iede, falta diagnóstico sobre o que está ocorrendo neste momento para depois haver uma intervenção. Ele afirma que é preciso ter um controle maior sobre a frequência ou acesso dos estudantes às atividades remotas. “Ter crianças sem acesso às atividades já deveria ser visto como um grande preditor de evasão”, analisa.
No entanto, são poucas as redes que conseguem monitorar as atividades dos estudantes. Um levantamento feito pelo G1 apontou que 60% das redes de ensino tinham dados sobre isso, e eles indicavam pouca adesão dos estudantes. No início do mês, o Ministério da Educação (MEC) afirmou a deputados que não sabia quantos alunos da rede pública estavam assistindo às aulas virtuais.
“São raríssimas as secretarias que têm estratégias coordenadas com as unidades de ensino. Geralmente, designam aos gestores escolares e professores a responsabilidade pela busca ativa”, diz um trecho do relatório.
A doutora em educação Claudia Santa Rosa, diretora executiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), sugere que o poder público poderia:
pensar em realocar recursos que não estão sendo usados na pandemia, como verba para viagens, estadias, treinamentos, e gastar em equipamentos para os estudantes, como tablets ou acesso a dados de rede;
fazer parceria com as televisão comerciais, que são concessões públicas, para que elas transmitissem o conteúdo em determinados horários em uma ação emergencial, aliada à avaliação do que foi aprendido pelos estudantes durante este período de suspensão de aulas presenciais, em especial nos ciclos finais de ensino, como a conclusão da etapa do fundamental I, II e do ensino médio;
fazer uma grande campanha publicitária divulgando o que está sendo planejado neste período e no retorno às aulas, convocando os estudantes para estudarem e não desistirem.
“A preocupação neste momento é o jovem saber que ele está sendo pensado, que existe uma preocupação nacional com a educação. Em vez disso, percebo que ocorrem ações pequenas, em termos de escala, e os alunos ficam ouvindo que foi um ano perdido. Aqueles que não têm acesso ao ensino remoto ficam se perguntando se valerá a pena esperar o retorno presencial, que será híbrido”, analisa.
Evasão é ‘desastrosa’ para o país
Claudia Santa Rosa afirma ainda que o custo da evasão é “desastroso” para o país, porque aumenta as desigualdades sociais.
“É desastroso para o país. Você joga para o espaço a possibilidade de equidade. O desenvolvimento econômico não tem sustentabilidade se a educação não estiver bem, se a população não for preparada e qualificada”, afirma Claudia.
“Uma parcela dos jovens vai chegar a um mercado de trabalho informal, a um subemprego, ou ficar na geração nem-nem, sem uma coisa nem outra, sem concluir a educação básica. Disso vem todas as mazelas sociais envolvidas na questão. É um custo alto, danoso para as vidas de cada jovem”, afirma. Em 2019, quase 11 milhões de jovens de 15 a 29 anos não estavam ocupados no mercado de trabalho e nem estudando ou se qualificando – a chamada “geração nem-nem”, citada por Cláudia.
Saúde e segurança
A análise identificou que metade das redes entrevistadas ainda não definiu protocolos sanitários para a volta às aulas, ou apresentaram estudos “elementares” e ainda não adquiriram produtos de higiene e proteção individual, como máscaras. A outra metade já fez as compras e está na fase de distribuição.
O relatório indica que a maioria das redes planeja ou já fez a compra de equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras e luvas; e de produtos de limpeza e higiene, como álcool gel e sabonete líquido.
No entanto, metade das 20 redes ouvidas ainda não havia elaborado diretrizes claras sobre a readequação dos espaços escolares e utilização do transporte. Caso o retorno das aulas ocorresse imediatamente, diz o relatório, “não teriam protocolos sanitários satisfatórios para garantir a segurança de alunos e profissionais”.
Diagnóstico de aprendizagem
O estudo aponta que a maioria das redes prevê fazer uma avaliação diagnóstica quando houver a volta às aulas presenciais. No entanto, não está definido o que será feito a partir deste resultado e como serão as aulas no retorno.
Ainda é incerto se haverá uma avaliação única ou se cada escola terá a sua; quem irá elaborá-la; quais serão as séries e os componentes curriculares avaliados; entre outros pontos.
Estratégias para o cumprir o currículo previsto para 2020
Os secretários de educação ouvidos pelos pesquisadores afirmam que será “pouco factível” concluir o currículo escolar previsto para 2020. Por isso, as equipes pedagógicas estão tentando sintetizar o currículo para cada ano, em especial no ensino fundamental.
“A intenção é trabalhar com os estudantes apenas as habilidades foco, ou seja, aquelas avaliadas como essenciais para a progressão do conteúdo — as demais, tidas como complementares, devem ser exploradas no próximo ano”, aponta o estudo.
A maioria das redes já elaborou ou está organizando o currículo para o restante do ano letivo, mas falta planejar a formação dos professores para trabalhar com este novo currículo.
Educação infantil
A educação infantil é uma das etapas mais difíceis de trabalhar conteúdos remotos, porque depende do auxílio de pais e responsáveis ao lado das crianças durante as atividades
Segundo o estudo, são três grandes desafios: a necessidade de um regime de colaboração entre as redes estaduais e municipais que de fato funcione; de oferta de formações aos professores; e de ações de monitoramento das atividades enviadas.
“As entrevistas realizadas apontam para uma certa omissão em parte das redes estaduais, que, por não atenderem a etapa, não recomendam quaisquer caminhos às redes municipais”, afirma o relatório, indicando a falta de colaboração entre as redes.
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