A solução é alugar o Brasil

Domingo, 23 de agosto de 2020. Se perguntarem, no futuro, qual o momento que sepultou a importância do futebol de cá, entregue de bandeja e sem estardalhaço para o futebol europeu, foi esta data. Neste dia, um dos maiores clássicos brasileiros, entre paulistas recordistas de títulos nacionais, teve que ser remarcado de sua cancha sagrada para abrigar telões de final de Liga dos Campeões e carros num drive-in esdrúxulo.

Sinal dos tempos. A arenização provoca essas distorções. Se nas CNTPs o clube fica à mercê da busca por rentabilização do espaço que equilibre as contas – dilema vivido por todos os clubes nacionais que fizeram do seu estádio próprio, arena moderna – durante a pandemia, migalhas contam muito.

Assim, desabrigou-se o alviverde paulista, atual campeão de seu estado, a eterna academia de futebol, que foi buscar gramado no Morumbi, estádio do rival São Paulo, mas pelo menos não era a casa do alvinegro praiano, o melhor do século passado. E se já não teria torcida, mesmo, que diferença faz o estádio?

Ora, para o Palmeiras, em teoria, pouco, afinal, bateu o Santos por 2×1 e segue invicto no Covidão 2020. A questão, no entanto, não é essa. A questão é de caráter simbólico. E tem a ver com a proteção da importância do futebol brasileiro.

Neste mesmo espaço na semana passada, escrevi sobre como uma nova geração já não se interessa pelo esporte aqui praticado. A paixão torcedora é vendida ao craque da vez, ao time que levanta troféus, e àquele local que pratica algo que possa ser chamado de futebol. Pois fere-se a alma do ludopédio brasileiro ao se transferir uma partida real para que se faça transmissão virtual de uma partida do longe.

O futebol europeu, na sanha dos empresários e patrocinadores que procuram fechar as contas – não estão errados, diga-se, errados estão os clubes em aceitar disparates desta monta –, ordena: senta lá, Cláudia. E o futebol brasileiro, com o rabo entre as pernas e o pires na mão, obedece acanhado, ensaiando até prosas tortas de exaltação do pragmatismo.

Sacramenta-se: o futebol do próprio clube importa menos, trocado por ativações pintadas de vira-latismo. E que não se assustem: mais palmeirenses viram a final europeia que o clássico de seu próprio time. Até os apaixonados estão se debandando para o lado de lá. É o projeto de abandono do futebol brasileiro.

Na partida de lá, o Bayern de Lewandowski fez valer o seu favoritismo contra o PSG de adulto Ney e legião. O polvo Neuer, com braços e pernas que cobrem toda a área de Munique a Lisboa, garantiu a retaguarda para que Coman, o bávaro (por favor, exaltem esse trocadilho sublime), impusesse o golpe definitivo numa equipe francesa que prometeu melhor sorte no início, mas, além dos tentáculos intransponíveis do arqueiro alemão, pecou nas finalizações.

Assim, segue na fila o PSG, apesar dos investimentos bilionários, enquanto o gigante Bayern enfileira sua 6º orelhuda. É preferível pensar, em nome de uma racionalização que preza pela democracia – em que pondere o domínio ditatorial do Bayern em solo alemão – que venceu a tradição sobre a modinha, que venceu a associação de torcedores sobre a vontade temperamental de tenebrosas transações. Melhor assim?

Gabriel Galo é escritor