Tranquilo e infalível como Bruce Lee

Penso que há algo muito bonito em desistir. Não é como ensinam na escola, competições eternas. Liberdade é só outra palavra para nada a perder, como diz a música. Na infância, quando perguntavam o que desejava ser, eu sempre pensava nos hippies da aldeia, que povoavam as histórias contadas por meus tios de Arembepe.

Em lugar de aprender artesanato, no entanto, fui cursar jornalismo. Lembro o exato momento em que decidi. No final da adolescência, quando andava em busca do que queria fazer, achei umas fitas K7 com gravações sobre o Caso Doca Street. A partir de jornais e revistas, eu havia montado uma narrativa própria do crime passional.

Seria um exagero chamar aquilo de reportagem, já que minhas fontes eram todas de segunda mão. 
Enquanto as vizinhas da mesma idade sonhavam com bonecas, eu era fascinada por Sandra Passarinho, que fez a cobertura da Revolução dos Cravos direto de Lisboa para a Rede Globo.

Assim como a leitura, também fiz do jornalismo uma brincadeira de criança e tentei aprender sozinha. Meu pai, acostumado às minhas estranhezas, providenciou logo um gravador de presente. Era um aparelho grande de mesa, como aqueles que eram usados pelos repórteres profissionais. Tinha até microfone de fio.

Para narrar os fatos que achava mais interessantes, eu buscava informações nas publicações da época e escrevia o meu próprio texto. Então, com a maior seriedade, nos lugares mais silenciosos da casa, improvisava um estúdio. Quase sempre, vazava um miado de gato, um latido de cachorro, um grito de minha mãe.

Engraçado é que escrever, para mim, sempre foi artesanato. Você enfia as contas coloridas no arame, molda o arco, oferece às pessoas. E, assim como os hippies que circulam nas praias e nas ruas, leva na boa o fato de ser ignorado. Afinal, sempre haverá alguém bacana que fica com um brinco ou acha uma pulseira o máximo.

Penso que há algo muito bonito em desistir. Feito o cara que bate três vezes na lona e segue adiante. Mas vejam o caso do boxeador britânico Robin Deakin, considerado o pior do mundo. Após 50 derrotas seguidas, teve a licença caçada no Reino Unido. Para seguir nos ringues, foi lutar na Alemanha. Um dia, perguntaram por que não desistia de uma vez e ele disse: “boxe é tudo que sei e toda a minha vida”.

 Kátia Borges é escritora e jornalista