Referência em asma e trabalho na OMS: conheça o professor da Ufba com maior número de citações acadêmicas
Depois de dois anos em Genebra, na Suíça, o pneumologista e alergologista baiano Álvaro Cruz sabia que precisava tomar uma decisão. Tinha convites para continuar trabalhando na Organização Mundial da Saúde (OMS), onde era um dos responsáveis pelo departamento de doenças respiratórias crônicas, ou para retornar a Salvador.
Ainda que tenha ficado tentado a permanecer, os laços com a cidade natal falaram mais alto. Tinha questões familiares, vínculos com pacientes, relações com projetos. Mas a principal razão era outra. “Foi principalmente por achar que sou mais útil aqui. Isso me deixa mais feliz: ser mais útil à minha comunidade”, diz, hoje, aos 64 anos.
Professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), ele é uma das maiores autoridades em pesquisa sobre asma e doenças respiratórias no Brasil. Não é à toa que encabeça a lista dos pesquisadores mais citados – em textos acadêmicos – da Ufba. Com mais de 27 mil citações a trabalhos seus indexados no Google Acadêmico, ele tem 285 artigos científicos publicados.
“Não tinha essa comparação, mas sabia que as citações eram muito grandes, principalmente de alguns artigos”, explica o professor, que é o mais citado do Brasil na área de estudos sobre asma e que também é pesquisador em produtividade nível 1B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Esses números são a prova de que os resultados de suas pesquisas foram bem além dos muros da universidade. Muitos correram o mundo. De fato, além das redes de contatos com quem trabalhou ao longo dos anos, com frequência é contatado por grupos de diferentes locais.
Um dos grupos que sempre o procura para opinar sobre trabalhos está na Argentina. Em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), outro time de pesquisadores costuma recorrer a ele com frequência, mesmo sem nenhum tipo de vínculo formal anterior.
Ainda assim, o professor Álvaro minimiza os números. “O que realmente importa não são esses números de citações. O que importa é se minha atuação profissional está ajudando as pessoas a respirar melhor. É isso que eu quero. Não quero ver gente sufocada, quero ver gente respirando bem”, enfatiza.
Referência em estudos sobre asma, ele já trabalhou na OMS (Foto: Nara Gentil/CORREIO) |
Influência
Talvez a inspiração pelo caminho da Medicina tenha vindo de casa. Natural de Salvador, ele seguiu os passos do pai, também médico formado pela Ufba e de quem herdou o nome e o desejo de seguir pela pneumologia e alergologia. Como sempre foi muito curioso, o caminho pelo estudo foi natural. Só que, quando entrou na universidade, em 1974, as oportunidades de pesquisa ainda eram raras. Tudo parecia direcioná-lo ao atendimento médico.
Isso só mudou quando, depois de formado, passou a conviver com o professor Edgar de Carvalho Filho, que foi seu orientador no mestrado. A história do professor Edgar, hoje aposentado da Ufba e um dos pesquisadores com produtividade 1A do CNPq, foi contada no especial Cérebros da Ufba, publicado em junho pelo CORREIO. Entre os pesquisadores que fazem parte do especial, o professor Álvaro ainda cita o epidemiologista Maurício Barreto como um dos colegas com quem já trabalhou de perto.
Tanto Edgar quanto Maurício, hoje mais ligados à Fiocruz devido à aposentadoria da universidade, têm números de citações comparáveis ao do professor Álvaro – os dois passam de 20 mil, mas no ranking do Google Acadêmico aparecem ligados à Fiocruz.
A partir do convívio com o professor Edgar, um dos grandes responsáveis pela imunologia na Bahia, o professor Álvaro decidiu fazer um pós-doutorado na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Fora isso, todo a formação – da graduação ao doutorado – foi na Ufba, onde começou a dar aulas na década de 1980. Há dois anos, porém, decidiu se aposentar “para poder trabalhar mais”, em suas palavras. Ainda assim, continua como professor dos programas de pós-graduação em Medicina e Saúde e em Ciências da Saúde.
Desde o começo, porém, o professor Álvaro percebeu que a asma era uma doença negligenciada. Era um assunto que o interessava e queria ajudar pessoas a lidar com a doença. Não conseguia aceitar que crianças, adultos e idosos sufocados fossem um problema tratado como uma doença menor.
“Isso também estava muito associado à rinite alérgica, que era muito negligenciada. Se a asma é negligenciada, a rinite é mais ainda”, avalia.
Atendimento multidisciplinar
Foi assim que, em 2002, ao lado de um grupo de alunos da pós-graduação, lançou o Programa para Controle da Asma na Bahia (ProAR), que funciona até hoje. A ideia era oferecer um tratamento gratuito e multidisciplinar às pessoas com asma grave.
O ProAR atendia três mil pessoas em 2006, quando foi convidado a trabalhar na OMS. “A asma é uma doença que traz um enorme sofrimento. Quando comecei, tinha muito que se podia fazer para evitar os sintomas. Era meu lado médico e meu lado humano querendo ajudar”, conta.
Na época, se um paciente com asma grave fosse buscar atendimento no Serviço Único de Saúde (SUS), seria atendido na emergência. Receberia o tratamento para aquela crise e, em seguida, tinha alta sem nenhuma recomendação para tratamento em casa.
“Duas, três, quatro semanas depois, esse mesmo paciente voltava com crise de asma. Se alguém com diabetes entrasse no hospital com crise de diabetes e fosse para casa sem tratamento, seria considerado um absurdo. Com infarto, a mesma coisa. Mas com a asma, isso era normal”, lembra Álvaro.
Assim, em pouco tempo de atendimento contínuo, já foi possível identificar avanços: nos primeiros três anos, o ProAR conseguiu reduzir as hospitalizações por asma em Salvador em 74%. O programa passou a ser adotado como modelo, pela OMS, para países de rendas média e baixa.
O professor Álvaro fica em primeiro lugar entre os pesquisadores mais citados da Ufba, de acordo com o Google Acadêmico (Foto: Reprodução) |
Pelo mundo
Com esses resultados, o professor Álvaro chamou atenção da comunidade científica internacional. Fazia divulgação científica, promovia e traduzia documentos, além de interagir com iniciativas da área. Em pouco tempo, foi chamado a participar de reuniões de organizações lideradas pela Aliança Global contra Doenças Respiratórias (Gard, na sigla em inglês). Até que, em uma reunião na China, em 2006, o líder dessa rede fez o convite para que ele se juntasse à OMS.
Na agência, ele era responsável por buscar recursos para atividades dessa rede, organizar documentos e chamar atenção para a importância das doenças respiratórias na saúde.
Em apenas três anos, o ProAR, fundado pelo professor Álvaro, reduziu hospitalizações por asma em Salvador em 74% (Foto: Nara Gentil) |
“Falávamos principalmente das crônicas, que eram o que a gente trabalhava, e que eram mais negligenciadas do que as doenças infecciosas respiratórias. Como essas são mais frequentes, elas sempre tiveram mais atenção, inclusive nos países de renda baixa e média. Mas a asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica não tinham isso”, lembra.
Depois que saiu da entidade internacional, se tornou um dos diretores de outra ong internacional – a Iniciativa Global contra a Asma (Gina), que, anualmente, produz relatórios sobre quais são as melhores estratégias para tratar a doença
Desde que retornou da Suíça, ele continua no ProAR, mas não mais na coordenação. No projeto, decidiu se encarregar de questões de pesquisa e de buscar mais recursos para os atendimentos. Este ano, com o desejo de expandir a proposta para o resto do país, criaram a Fundação ProAR, da qual é diretor-executivo.
Hoje, na Bahia, o ProAR atende mil pessoas no ambulatório principal, além de outros pacientes em projetos de pesquisa. Em um laboratório no Hospital Especializado Otávio Mangabeira, há outros mil pacientes.
Um dos projetos mais recentes, financiado pelo Instituto Nacional de Saúde do Reino Unido, busca capacitar profissionais da saúde da família para o tratamento de asma.
“Estávamos no meio desse projeto, que também tem a colaboração do Equador, quando veio a pandemia. A ideia é reproduzir pela cidade inteira, pelo Brasil inteiro, um modelo muito simples: a gente busca o paciente na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) se ele tem uma crise e leva para o ProAR. Acompanhamos por três meses e depois, ele passa a ser acompanhado na unidade básica de saúde”.
Com a covid-19, as pessoas que têm asma se tornaram um dos grupos de risco. No entanto, ele ressalta que pacientes que têm a doença de forma controlada, de forma geral, estão protegidas dos riscos do coronavírus.
Ciência para todos
Por mais que sempre tenha sido vinculado à Ufba, o professor Álvaro acredita que o grande número de citações se deve também às atividades que são independentes da universidade. A quantidade de publicações que levou a um número tão alto de publicações ajuda a entender melhor seu ponto de vista sobre a própria ciência. A ideia de um cientista apenas em laboratório, descobrindo algo, para ele, não representa toda a importância do trabalho.
Na Ufba, onde fez toda a sua formação, se aposentou como professor há dois anos, mas ainda continua na pós-graduação (Foto: Nara Gentil/CORREIO) |
“Tem outro aspecto desse ciclo que é a disseminação do conhecimento. Tem outra etapa que é a transformação do conhecimento em melhores práticas, que é a ciência da implementação”, explica.
No CNPq, onde é pesquisador desde 2004, provavelmente poderia ter se tornado 1A – o nível máximo, entre os bolsistas de produtividade – pelo número de publicações. Só artigos científicos foram 285 ao longo da carreira. No entanto, apenas recentemente alcançou o número mínimo de orientados na pós-graduação para ser classificado como 1A. Segundo seu currículo Lattes, formou 17 mestres e nove doutores. Atualmente, tem sete orientações de doutorado e duas de mestrado em andamento.
A vida de viagens profissionais impediu, por muito tempo, que conseguisse orientar um número maior pesquisadores. Agora, com menos viagens, tenta reduzir o ritmo. Ou, no mínimo, trabalhar menos do que 16 horas por dia.
“Gostaria muito de, agora em diante, aproveitar mais o tempo para estar com a minha família. Eu tinha que viajar mais de uma vez por mês para fora do Brasil para reuniões”, lembra o pneumologista, prestes a ser pai pela terceira vez, em setembro.
A família de médicos inclui a esposa, as duas irmãs e a filha, que faz residência em gastroenterologia. O outro filho, que é ambientalista, trabalha hoje no Projeto Tamar, na Praia do Forte, em Mata de São João.
“Eu acho que alcancei muito mais do que imaginava, com as pessoas que contribui para formar, os recursos que consegui para trazer para a pesquisa. Esse equilíbrio do consultório, de ser médico, pesquisador e professor é realmente difícil. Me deixa realizado, mas é uma sobrecarga enorme”, admite o professor, que recorre a caminhadas na praia, à leitura e aos filmes para aliviar a pressão dos dias.
Formação acadêmica, segundo o Lattes:
1992 – 1996 – Doutorado em Medicina e Saúde – Universidade Federal da Bahia (Ufba)
1982 – 1985 – Mestrado em Medicina e Saúde –
Universidade Federal da Bahia (Ufba)
1981 – 1982 – Especialização em Residência em Pneumologia – Ufba
1980 – 1981 – Especialização em Residência em Clínica Médica – Ufba
1974 – 1979 – Graduação em Medicina – Ufba