Educação brasileira sofre novos baques com perspectiva de mais desistências nas escolas e a perda de R$ 4 bilhões no orçamento
Era pós-pandemia e crise econômica apresentam ainda mais desafios para objetivo de evitar evasão escolar e melhorar condições para professores e estudantes. Mais da metade (52%) da população acima de 25 anos não terminou o ensino médio
Reprodução/RPC
A pandemia do novo coronavírus provocou dois fortes impactos na educação brasileira: a prolongada interrupção das aulas, ainda sem muitas certezas sobre a retomada, e uma crise econômica que pode representar um corte de mais de R$ 4 bilhões no caixa educacional em 2021. Quais são os efeitos dos eventos recentes no projeto de universalizar a educação no país e melhorar a estrutura das escolas públicas?
Hoje há mais de 10 milhões de brasileiros analfabetos acima de 15 anos. Mais da metade (52%) da população acima de 25 anos não terminou o ensino médio. Os números, altos, já foram piores. Mas os avanços a passos lentos correm o risco de serem perdidos com a força da pandemia.
“Os jovens ficarão praticamente um ano parados. Alguns vão sair da escola e não vão voltar porque perderam contato com colegas ou com as escolas”, diz Naercio Menezes Filho, pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper.
“Crianças pequenas podem ter problemas de desenvolvimento infantil, às vezes submetidas a um ambiente estressado, com pais possivelmente desempregados ou com renda menor.”
“Uma nação que investe em educação é uma nação que está preocupada em igualar oportunidades”, afirma Naercio Menezes Filho, pesquisador do Insper
Enquanto isso, pouco ou quase nada se sabe sobre o acompanhamento dos estudantes em atividades remotas ou aulas a distância.
Um levantamento do G1 mostrou que somente 60% dos estados tinham dados de monitoramento dos alunos, e os índices demonstraram baixa adesão na aprendizagem. Já o MEC admitiu que não sabe quantos alunos estão com aulas remotas.
“Nós temos altos índices de crianças e jovens fora da escola, que já sentirão agora a falta de investimentos. A médio prazo, a falta de verba vai dar continuidade a uma política de desvalorização do magistério – virar professor fica menos atrativo, menos pessoas qualificadas vão buscar a carreira”, diz Gregório Grisa, doutor em educação e professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).
Ele concorda que “investir nessa área” multiplica benefícios que “estarão na economia, que contará com profissionais mais qualificados. Também na sociedade, que se tornará mais inovadora e criativa, e na ciência e na tecnologia”.
Poderiam servir de estímulo pensar na educação como um caminho para preparar o Brasil para problemas futuros. O investimento no setor garantiria ao país maior diversidade na solução dos problemas, com desenvolvimento de pesquisa e tecnologia, afirma Flavia Calé, presidente da Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG).
Universidades dizem que corte do MEC em orçamento deixará ‘situação insustentável’
“A ciência deveria ser vista como o futebol. O Brasil é o país do futebol porque em qualquer lugar – bairros ricos e pobres, grandes centros urbanos ou área rural –, todo mundo joga bola. Por isso o Brasil produz muitos talentos, porque na quantidade, você extrai qualidade. O mesmo deve servir para a ciência. O Brasil tem escala, tem diversidade, tem riquezas naturais que poderiam ser exploradas”, declara Calé.
Silvio Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama e autor do livro “Racismo estrutural”, diz que sem educação “não é viável, por exemplo, criar vacinas, não é factível que o país encontre soluções para seus problemas sem ficar dependente de países estrangeiros. A educação é parte essencial de todo e qualquer projeto de um país soberano, que não se conforme em ficar rendido, ajoelhado e dependente”, analisa.
“Um país não tem como prosperar sem que a educação seja projeto de estado, um projeto nacional”, afirma Silvio Almeida
Mas não há uma boa perspectiva para investimentos na educação brasileira. O governo declara que, com a crise econômica, o objetivo é cortar R$ 4,2 bilhões do Ministério da Educação em um ano de aumento de gastos em escolas públicas para organizar a volta às aulas presenciais, suspensas desde março.
As más notícias não são apenas em nível federal. A queda na arrecadação de impostos, que são repassados para a educação, poderá tirar R$ 31 bilhões das escolas municipais e R$ 28 bilhões das estaduais. Mais de 80% dos alunos do ensino fundamental e médio estudam na rede pública.
Editoria de Arte
Nas universidades, os contingenciamentos dos últimos anos já precarizam as atividades de pesquisa. “A verba de custeio acaba se destinando para o pagamento de terceirizados, não sobra para bancar projetos. Até nesses serviços básicos, houve redução: o número de funcionários limpando os campi é muito menor que de 4 anos atrás”, conta Grisa.
Além da perspectiva de menos dinheiro, o Ministério da Educação vive tempos turbulentos. Em um ano e meio de mandato do presidente Jair Bolsonaro, já foram quatro os ministros. Milton Ribeiro completa apenas um mês no cargo neste domingo (16). Antes dele, passaram:
Carlos Alberto Decotelli, que caiu antes de tomar posse, por inconsistências no currículo;
Abraham Weintraub, que permaneceu no cargo por 14 meses e pediu demissão (ele é investigado por disseminar informações falsas e por ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal)
Ricardo Vélez Rodríguez, derrubado após pouco mais de três meses
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“O mais grave é que o Brasil hoje não consegue enxergar a importância estrutural da educação, principalmente a área econômica”, afirma Dorinha Seabra, deputada federal pelo DEM-TO e presidente do Instituto Educatores, que reúne ex-secretários estaduais de educação.
“A minha maior dificuldade na tramitação do Fundeb foi uma total ignorância até do debate”. Seabra se refere à votação, considerada histórica, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, que estabelece o percentual mínimo que deve ser investido por aluno no Brasil.
“É um fundo de financiamento que responde, na média nacional, por 66% do total do financiamento da educação. Mas, em alguns municípios, é mais de 80% do dinheiro de manutenção da educação”, afirma a parlamentar, relatora na Câmara dos Deputados da proposta de emenda à constituição (PEC) que altera o Fundeb. A PEC foi aprovada na Câmara e deve ser votada no Senado na próxima semana.
O senador Flavio Arns (Rede-PR), relator do Fundeb na Casa, diz que é “importante pensarmos, enquanto sociedade, sobre o que uma escola precisa ter. E hoje, 12% das escolas não têm banheiro. Falta água potável. Você vai gastar mais com saúde se não tiver água potável na escola”.
Segundo o Unicef, quatro em cada dez escolas do Brasil não têm estrutura para lavagem de mãos dos alunos
Biblioteca em escolas é um dos temas em discussão no Fundeb.
Marco Crepaldi/ Secom/PMU
Educação menos inclusiva
Claudia Werneck, ativista em direitos humanos, escritora, defensora da sociedade inclusiva e criadora do projeto “Escola da Gente”, analisa que “a pandemia significa a maior tragédia e a maior exclusão de pessoas com deficiência em toda a história. É inadmissível que, depois disso, o movimento não seja o de aumentar os investimentos em educação inclusiva”, afirma.
“O ensino remoto que está sendo ofertado não é acessível. As aulas à distância não costumam ter adaptações para os alunos com deficiência. Ninguém pensa que os pais da criança, que vão ajudá-la na alfabetização, podem ser cegos ou surdos. E o pior: não houve nenhuma oferta de atendimento educacional especializado (AEE) durante a pandemia”, diz ela.
A longo prazo, sem investimento o país continuará com baixa capacidade de inovação e com índices altos de analfabetismo funcional. “Se não houver mudança importante na política educacional, os resultados positivos nunca virão. Não existe mágica. Seguiremos como país emergente, que é um nome bonito para uma nação que patina em crescimento, que não consegue garantir os direitos da Constituição”, diz Grisa, do IRFS.