‘Meu pai ensinava que trocar de mulher era ser homem’, diz Popó

O publicitário Joca Guanaes e o ex-pugilista Acelino Popó bateram um papo variado em mais uma edição do projeto de lives #Segundou no Instagram do CORREIO (@correio24horas). Tetracampeão mundial em duas categorias diferentes de boxe, o convidado se abriu como você certamente nunca viu e falou muito além do esporte: sobre a violência doméstica que vivenciou; sobre o filho Juan, que é gay; e sobre o passado namorador. Veja os melhores momentos – e, ao fim, a live completa:

Você morou em uma casa muito pequena, dividida em sala, cozinha, quarto e banheiro. Você dormia no chão da cozinha e, nessa casa, morava seu pai, famoso Babinha, já falecido; sua mãe, dona Zuleica, que trabalhava como faxineira para sustentar a família, mais 4 irmãos e uma irmã. O que você aprendeu e levou para sua vida desses anos?
Foram tempos muito difíceis. Minha mãe era faxineira e também alisava e cacheava cabelo. Meu pai apontador do jogo do bicho, bebia muito e estourava tudo na bebida. Graças a Deus, eu conheci um esporte chamado boxe com 12, 13 anos. Eu já conhecia ele com 7, 8 anos, assistindo algumas lutas na janela dos outros, porque não tinha televisão em casa. E quando foi com 10, 11, ia assistir meu irmão Luiz Cláudio lutar. Aí veio a paixão em treinar boxe, com 13. Comecei a lutar, com 14 fui campeão baiano, com 15, campeão Norte-Nordeste, com 16, campeão brasileiro, com 17, já estava na Seleção Brasileira, com 18 anos, já era profissional…

Além da infância difícil, você presenciou muita violência contra mulher do seu pai. Ele era um homem bom, mas que a bebida transformava em violento e agressivo e batia na sua mãe. Como foi lidar com essa dualidade?
Isso não era retratado só lá atrás. Hoje, muitas famílias passam por esses problemas. Infelizmente, tem muita gente sofrendo, muita gente apanhando, sendo agredida, muita gente sendo violentada de uma maneira cruel.

Naquela ocasião, meu pai era muito violento quando bebia. Ele machucava muito minha mãe. Tinha muita violência doméstica, de a gente ver muita coisa pesada do meu pai. Só que, ali, a gente tinha respeito de pai. Eu era o filho mais apegado a ele. A gente sabia que ali não era ele, quando ele não bebia, era um doce de pessoa. Mas quando bebia, se transformava, virava superviolento. Não em agredir os filhos, mas minha mãe. E, se alguém fosse se meter, se algum filho fosse falar, a gente também ia ser agredido. Então a gente tinha medo de falar ou de separar.

Vocês e seus irmãos tiveram que lidar com toda essa situação. Você também é pai, de 6 filhos homens, de idades entre 14 e 27 anos. Rafael, Igor, lago, Gustavo, Juan e Acelino. O que usa como exemplo que viveu na sua infância e juventude para criação deles?
Eu mostro como era o passado, onde morava, sempre coloco vídeos. Foi há 21 anos atrás, domia até meus 23 no chão. Mostro onde morei, onde cresci, meu pai tratava minha mãe assim, fazia isso, a bebida deixava ele assim, transformava ele. Eu sou um pai muito liberal. Quando meus filhos querem beber, permito. Tenho liberdade para falar com eles.Graças a Deus, para mim, não falta nada. Tenho minhas dificuldades, meus perrengues, mas Deus sempre me dá o dobro. Quando fiz o leilão do meu cinturão, o presidente da Associação Mundial de Boxe soube e falou que ia mandar outro cinturão. Quando eu dou algo para ajudar quem mais precisa, Deus me dá tudo em dobro, de uma forma perfeita. 

Você é um simbolo nacional. Conquistou o tetracampeonato de boxe e é um exemplo fora e dentro ringues. O que diria para toda a criança pobre que hoje mora na periferia e que tem você como exemplo? 
Sempre falo com essas pessoas que é difícil, mas não é impossível. No momento certo, esteja preparado, esteja feliz, contente, com tudo aquilo que você está fazendo, com o que quer fazer. É difícil, mas sou prova que não é impossível. De onde eu vim, de onde nasci. Quando eu tinha 16 anos, eu saia correndo da Baixa de Quintas, Sete Portas, Djalma Dutra, Dique do Tororó, Centenário, Cristo, Farol da Barra, Ladeira da Barra, treinava em uma academia da Graça, Triathlon. Às vezes, não tinha um tênis apropriado para correr e lá tinham pessoas lá que sempre ajudavam. Davam carona, desviavam caminho… Até hoje, tenho muito amigo. 

Foram 43 lutas: 41 vitórias, 34 nocautes e 2 derrotas, a primeira delas em 7 de agosto de 2004, quando você perdeu o título da WBO dos pesos-leves para Diego Corrales por nocaute técnico. O que você aprendeu com essas experiências?
Meu primeiro título mundial foi em 7 de agosto de 1999. Olha a coincidência. Foram cinco anos de campeão mundial, de título mundial. Foram 12 defesas do cinturão. Quando completei 10 defesas, ganhei, da Organização Mundial de Boxe, o cinturão de super campeão mundial por ter conseguido defender meu título 10 vezes. Muito orgulho.

Daí surgiu Diego Corrales, que foi muito melhor que eu, superior. Não em todos os rounds, mas ele foi mais estratégico que eu, me deu um bocado de porrada e foi melhor. Tem todos os méritos como grande campeão e lutador. Não perdi para qualquer um. Fez lutas tremendas. Tive privilégio de perder para esse grande lutador.

A vida inteira, você foi ligado a Deus. Você tem essa relação desde pequeno. Como essa relação entrou na sua vida?
Sempre fui de uma pessoa de fé. Até porque tudo que conquistei foi pela fé. Quero, vou, consigo. Lembro que assisti a uma luta de Maguila, ele estava disputando o cinturão Mundo Hispano. Eu já lutava, olhei para televisão e falei que teria um dia esse cinturão. O primeiro que disputei foi ele. Tudo o que eu quis, almejei, sonhei… 

Como entrou para a igreja evangélica?
Em 2003, eu fui convidado para assistir um culto na igreja batista. Eu estava separado, há oito meses, de Eliana Guimarães, que era minha esposa na época – hoje minha ex-esposa e minha melhor amiga. E aí uma pessoa pediu para ela me convidar. A gente entrou naquele dia na igreja separado e saiu casado de novo. Ficamos até 2006 casados. Eu aprontava muito, fazia muita besteira. Ela é uma super mulher, uma super mãe. Infelizmente, pelo fato de ter casado cedo, com 23 anos, no auge da minha carreira, não tinha sabedoria. Tinha o ensinamento do meu pai que trocar de mulher era ser homem. Tanto que tenho 6 filhos com 5 mulheres. Ele nunca me ensinou a usar camisinha. Eu pude passar essas informações e posso passar até hoje para meus filhos. 

Contam que você foi sempre muito namorador. E que ganhava por nocaute só para acabar logo a luta e cair nos braços da namorada…
Toda fofoca tem algo de verdade. É verdade. Lembro uma vez que lutei contra Casamayor na unificação dos cinturões. Eu levei 45 pontos no rosto, fiquei todo arrebentado, dolorido, marcado, lutei 12 rounds. Eu doido para chegar no quarto para dar uma trabalhada, uma batida na boneca. E aí ela falou: ‘você está doido? Está todo machucado’. E eu falei: ‘minha filha, eu quero relaxar, estar bem… Deixa eu bater na boca desse sapo’.

É verdade que você já teve mais de 600 ficantes?
Mais ou menos, ou mais um pouco. Eu paquerei muito antes de casar, depois que eu casei, dei umas puladinhas [de cerca]… Fiquei com muitas, namorei bastante, aproveitei.

Você foi campeão mundial de um esporte masculino. Só que, olhando para sua vida, são justamente as mulheres suas principais influências. Temos Dona Zuleica, sua mãe; sua primeira esposa, Eliana, que até hoje administra suas finanças; e sua atual esposa, Emilene Juarez, que é nutricionista. São três mulheres muito presentes na sua vida…
Uma que engordava com feijoada. Uma que ajuda nessa parte financeira, que me dá uns toques, o que eu posso fazer. E uma que me ajuda a perder o peso que minha mãe deixou para mim, com essa feijoada (risos). São três guerreiras. Eu não digo que tenho ex-mulher, tenho ex-casamento. Tudo que eu sou, fui, nos títulos, vitórias, casa, tudo é por causa de Eliana. Até hoje é parceirona, muito amiga, a forma que educa meu filho… A educação dele é de outro mundo. 

Um dos seus filhos, Juan, é gay. E você abraçou ele, cuidou, aceitou. Isso gerou muitas críticas. O Brasil é o país que mais mata LGBTQI+ e a Bahia, o estado que mais mata. Que conselho você daria para pais machistas que têm filhos LGBTQI+ como você?
O amor. O amor supera tudo. Eu tinha amor muito grande com meu filho. Eu falava uma palavra que eu passei a entender com meu filho. Falava ‘meu filho, que opção é essa?’. E ele falava: ‘meu pai, não é opção. Eu não tenho essa opção. Se fosse opção, eu não queria ser gay. Eu tenho uma orientação, minha, é disso que gosto, gosto de homens. Se fosse opção minha, não seria’. E comecei a entrar no mundo dele, de uma forma muito boa. Quando ele vem para minha casa, as brincadeiras que a gente tem um com o outro, o rebolar dele, o andar dele, o falar com a voz meio distorcida, isso não me incomoda, não me atinge. Isso não me faz um pai menor, um pai maior. Isso não faz ele menor que eu, maior que eu. A gente conversa na mesma sintonia. Brinco com ele, chamo de bichona, de viadão, falo que tem bundão, pernão… Ontem, eu fiz uma brincadeira com ele e ele falou que gosta de 23cm. Falei ‘ô meu filho, o que é isso, segura a onda’. Aí eu brinco ‘você é mais homem que seu pai, porque para aguentar isso que você aguenta, tem que ser muito homem. 

Você aceitaria fazer uma campanha para o Grupo Gay da Bahia, sendo o garoto-propaganda, pedindo aos pais que aceitem, que amem seus filhos? Você é um grande símbolo nacional.
Aceito, lógico. Vai ser prazer. As pessoas não pediram para nascer assim.  Eu sou evangélico, mas isso não é espiritual, não é um demônio como as igrejas querem colocar a mão na cabeça e acham que o viado vai sair. Não é isso. É alguma genética que essas pessoas têm. No meu caso, eu tiro por mim. Gosto de um corpo feminino, uma mulher. Gosto de uma cintura. Sinto atração, tesão, quando estou transando com uma mulher, ou pela cintura dela, às vezes dá tesão para chegar ao orgasmo. Às vezes, o cabelo, o olhar, o rosto. Eu creio que o homem sente o mesmo tesão dessa forma. E a gente tem que respeitar. A forma de olhar uma mulher é a mesma forma que meu filho olha um homem. Eu olho um homem e acabou, nunca tive atração nenhuma. Quando olho uma mulher, uma dançarina do Faustão, todo domingo, vejo coisas maravilhosas. Porque sou homem. Ele deve sentir a mesma coisa, o gosto dele, a atração dele é essa. A gente tem que respeitar. Eu sou de 1975.

Lembro que lá atrás, na minha casa, na minha família, se tivesse gay, meu pai botava para fora e matava até. Se tivesse um corno, era motivo de gozação. Se fosse viado, botava para fora e ainda batia. A gente tem que acabar com esse preconceito, respeitar  principalmente a orientação.

Não gosta? Não converse. Já que é seu filho, aceite, respeite, eduque. Mostre como é o mundo lá fora. Falo para meu filho: você é gay, o mundo lá fora vai receber ‘olha o viadinho lá’. Se contenha, ainda mais quando as pessoas bebem, que se soltam mais. Olha com quem vai beber, com quem vai estar, volta para casa. Você vai ser bem aceito aqui, independente da sua orientação, do seu gosto. 

Você é o diretor de esporte da Associação Mundial de Boxe, que pretende revelar novos talentos a partir de um título mundial júnior para até 22 anos. E você vai ser o cara responsável no Brasil e em uma parte da América para descobrir novos talentos. Conta para a gente isso.
Eu fiquei muito feliz que o Presidente da Associação Mundial de Boxe me convidou para ser diretor mundial da Associação, representando o Brasil, levar novos talentos. Já mandei quatro nomes para eles. Tem um de São Paulo que já tem 12 lutas e 12 nocautes. Tem um de Salvador que é muito bom, do Nordeste de Amaralina, que é excelente lutador e a gente está querendo apostar.

Salvador já tem dois campeões mundiais, o Sertãozinho, que é Valdemir Pereira, e eu. A gente tem um medalhista olímpico, Robson Conceição, e a medalhista de bronze, Adriana Araújo. Toda vez que a Bahia vai aos campeonatos, é sempre campeã brasileira. O esporte que dá mais títulos à Bahia é o boxe, que dá mais titulos, mais visibilidade.