O fenômeno da meditação: prática tem efeitos semelhantes aos de remédios contra ansiedade
A viagem para dentro de si pode começar com os olhos fechados, a coluna ereta, e o corpo numa posição confortável. A única barreira no percurso à frente é você mesmo. A meditação, este exercício que nos obriga a enxergar o escuro, tem sido cada vez mais procurado por quem, durante o isolamento social, viu-se na própria companhia. Os momentos de pausa e concentração, mostram pesquisas, podem melhorar até o sistema imune e causar efeitos semelhantes ao de remédios contra a ansiedade.
A meditação virou um fenômeno de procura. A busca por aplicativos de bem-estar cresceu 64% de março a junho deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado, respondeu o Google ao CORREIO. Os guias de meditação geralmente desligam a opção de comentários na tela. Eles precisam ser ouvidos, não vistos, e negam que os aparelhos sejam uma barreira a mais para a meditação. Mas é preciso ter uma boa conexão para não perder os comandos.
Quando o relógio marca 6h ou 20h, um senhor calvo, com olhos puxados, chamado Tadashi Kadomoto, 61 anos, aparece em cena. Diariamente, o terapeuta paulista guia meditações online – como tem ocorrido, em diferentes redes sociais. “Fechem os olhos”, diz Tadashi, para iniciar a sessão. (Veja abaixo dias e horários de aulas de meditação)
Na manhã de sexta-feira (7), 28 mil pessoas seguiam seus comandos. Se, até então, a meditação era praticada numa sala específica e com contato pessoal, agora é intermediada por telas de celulares e computadores.
“Veio o insight: vamos ajudar todas as pessoas a meditarem e a saírem de estados de sofrimento. E assim nasceram nossas lives de meditação. Íamos fazer estas lives por sete dias. E hoje (8 de julho) completamos 112 dias ininterruptos”, contou, por email, em um raro intervalo. As lives são gratuitas.
O principal desafio da meditação é observar e aprender a tranquilizar a própria respiração. Uma pessoa respira até mais de 28 mil vezes por dia, sem perceber.
A respiração é um ato involuntário e a meditação te põe a perceber a entrada do ar, a passagem pelos pulmões e a saída. Tudo começa através desse fluxo. A posição ereta tem a intenção de deixar a pessoa alerta e consciente. Mas não é a única indicada.
O principal é se sentir confortável e atento, o que pode incluir precisar de um apoio para as costas ou se sentar sobre uma almofada. Quem sente dor, não medita, resume Marcos Aquino, guia de yoga e meditação há mais de 30 anos.
Comece pela respiração
Entre todas as definições possíveis, uma dita por Tadashi pode servir de introdução: “Você saberá que está em meditação quando conseguir se concentrar em apenas uma coisa. Os pensamentos virão. Deixe vir, agradeça por eles. Assim como vieram, irão embora. Concentre-se na sua respiração”. De olhos fechados e atentos à respiração, o coração começa a diminuir a frequência; o corpo, a relaxar.
É quando tem início o estado meditativo. A virada de chave para o estado meditativo, em que a consciência não está mais apegada ao exterior, mas ao interior, é subjetiva. Pode demorar semanas para mim e poucos dias para você.
Não precisa, necessariamente, de incensos ou outros recursos para transformar sua casa numa sala de meditação. Qualquer um tem capacidade de meditar. Crianças com a partir de 4 anos da idade já são capazes de meditar. Isso depende, geralmente, de técnicas criadas para elas.
No momento da imersão, o guia pode pedir que você recorde um momento em que se sentiu amado, por exemplo. “O que você sentiu fisicamente? Ative essa sensação”, falou Tadashi, em uma das suas aulas.
Sala de casa se transformou em espaço de meditação (Foto: Tainan Chagas/Acervo Pessoal) |
Há um mês, Rosane Barreto Navarro, 49 anos, sentou-se pela primeira vez na sala, sobre um tapetinho e com as pernas cruzadas para tentar meditar. Ela conhecia a segunda vítima fatal da covid-19 na Bahia. “Eu estava muito angustiada. Medo de ficar doente, medo da situação”, conta.
No meio da meditação, que durou 40 minutos aquele dia, Rose chorou muito. Emoções podem aflorar durante a prática. “Comecei a sentir um maior equilíbrio, paciência e consciente de mim”, diz.
Rose, publicitária, diz ser uma pessoa agitada, ansiosa e nunca havia meditado. É como se a prática tivesse ajudado a enxergar o peso de cada atribuição – com foco, mas tranquilidade. Hoje, ela medita até duas vezes por dia – uma delas na companhia do marido.
Os efeitos da meditação no corpo
A meditação é uma técnica oriental milenar, definida como um estado de profundo autoconhecimento. Não significa se apoderar, instantaneamente, de todas as sensações, mas se transformar em um espectador de si.
O doutor em Neuroimunologia e guia de meditação Bruno Pitanga tem se dedicado a entender, na prática e debruçado sobre livros, o poder da meditação no corpo. A maioria dos iniciantes apresenta apelos como: “Estou muito ansioso” e “Não me desligo”.
O neurocientista faz um trocadilho para explicar, quimicamente, os efeitos da meditação. Ele diz: “Quando você aprofunda a meditação, você libera o Deus”. Cada letra do nome “Deus” representa uma molécula. Nada de religião. Deus, no caso da meditação, é ciência pura e simples.
Enquanto medita, o corpo libera Dopamina (D), neurotransmissor ligado ao prazer; Endorfina (E), hormônio relacionado ao bem-estar e humor; Ubiquinona (U), enzima importante para a manutenção das células; e Serotonina (S), outro neurotransmissor com papel na regulação do ritmo cardíaco, por exemplo.
No estado meditativo, “Deus” começa a fluir, como um líquido, desentupindo os músculos de tensões e a mente de traumas. O nível de cortisol, hormônio que, excessivamente, debilita o sistema imunológico, passa a ser regulado nesse processo. A consequência é um sistema imunológico mais potente e rápido.
“O cortisol é ótimo, mas, em excesso, faz com que células do sistema imune ficassem como se dormindo. Claro que a meditação não é cura para o coronavírus, mas é uma medida integrativa”, explica Bruno, que aderiu à meditação há 19 anos, enquanto se preparava para a prova de natação Travessia Salvador-Mar Grande.
Em 2017, o Ministério da Saúde reconheceu os efeitos terapêuticos da meditação e a incluiu na lista das 19 práticas disponíveis pelo Sistema Único de Saúde. A Secretaria da Saúde da Bahia e o Ministério não informaram onde, nem como o serviço é prestado.
Não transforme em obrigação
A meditação costuma mesmo ser buscada em momentos de aflição. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já fez alertas sobre o impacto da pandemia na saúde mental. Em maio, calcula a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), 47,9% dos profissionais tiveram aumento no número de consultas.
Quem orienta práticas meditativas sabe disso e recomenda que meditar não seja uma obrigação a mais. O ideal é manter um ritmo ascendente, que pode começar em cinco minutos e durar até horas.
O trauma ou a ansiedade podem ser impulsos iniciais, mas a permanência precisa vir de um desejo de seguir uma viagem que se renova a cada dia e, sendo assim, não termina. É a viagem solitária onde só há um passageiro – você.
Dona Lourdes achava ‘chato, chatíssimo meditar’, agora medita diariamente (Foto: Aurélio Alves) |
Por duas ou três vezes na vida, Lourdes Lacerda, 60, tentou meditar. Nos minutos iniciais da conversa com a reportagem, ela confessa:
“Achava meditação um saco, chato, chatíssimo mesmo. Aquele negócio de gratidão, de ficar repetindo as coisas 80 vezes, não tinha sentido”.
No passado, a aposentada teve crises de pânico. Isolada em casa há mais de quatro meses, com o filho e um amigo da família, ela conseguiu, enfim, meditar, com auxílio de vídeos. Os companheiros de quarentena a acompanham no ritual iniciado em março.
No primeiro dia, ela abria os olhos o tempo todo. No segundo, as pálpebras bateram menos. No terceiro, permaneceu 40 minutos de olhos fechados. Os efeitos da meditação – como menos ansiedade – costumam ser percebidos pelo menos a contar do sétimo dia em que o estado meditativo foi alcançado.
“Eu estava sentindo muito medo, acordava no meio da noite. Antes, era tudo medo”, conta.
No último mês, quando a meditação entrou de vez na sua vida, as noites insones acabaram. Ela não acorda mais, no meio da madrugada, com medo da morte.
Meditar é ‘varrer’ a mente
O tempo da meditação varia conforme a prática adotada. Os mais tradicionais costumam ser contra a um movimento que chamam de “fast-food de meditação”. Numa busca rápida no Youtube pelo termo “meditação”, é possível encontrar links com títulos como: “Meditação rápida”, “Meditação para dormir” e “Meditação para acalmar a mente”. Há vídeos com até cinco minutos de duração.
Na opinião de Marcos Aquino, fundador do Yoga Bahia, espaço criado em 1999 e voltado para aprofundamento no universo da meditação e do yoga, há uma confusão entre as definições de meditação e relaxamento. “Existem técnicas para relaxar, mas é preciso ficar claro que meditar é um estado de atenção com tranquilidade. É o contrário de você ter que entregar um trabalho no prazo. Você está atento, mas tenso”.
As técnicas de respiração podem ser adotadas diariamente, fora da prática meditativa, durante um momento de ansiedade, por exemplo.
Em Salvador, o também tradicional espaço de meditação Atman, criado em 1989 e localizado nos Barris, transferiu as aulas presenciais gratuitas para salas de meditação online. A técnica consiste em respirar, relaxar e soltar.
Meditação agora ocorre por aplicativo de vídeo (Foto: Acervo/Atman) |
No Brasil, a meditação foi introduzida, em 1945, por um monge vedantino – metafísica hindu que negava a existência do mundo, que classificava como Maya (ilusão). Pouca técnica, muito misticismo. Na década de 50, surgiu a primeira geração técnica – com destaque para Caio Miranda, De Rose e Hermógenes.
Ou seja, a partir daí a busca pelo estado meditativo ganha métodos.Na Bahia, Carlos Cardoso, Lucy Tenório Macedo – já falecida -, e os próprios Tom e Marcos são fundamentais na popularização da meditação.
Em 1979, o surgimento do chamado Mindfullness, que prega a atenção completa na meditação através de técnicas, começa a romper a crença de que a busca pelo autoconhecimento dependia de uma série de elementos.
“Muita gente ficou com essa ideia mística da meditação e achou que não conseguiria. Cada vez mais, são criados métodos”, explica Tom.
Quando é questionado sobre as dificuldades de se meditar – ou a crença de uma suposta incapacidade para meditar -, Tom explica as origens desse sentimento: “As pessoas estão carregadas de medo de fracassar e culpa por achar que não tentaram, além da dificuldade de respirar. Na meditação, você vai limpando a mente dessas fixações”.
A meditação é como uma vassoura que varre a consciência desses acúmulos, metaforiza Tom. Um dia, você pode acordar, e perceber que a casa está finalmente limpa.
O PRIMEIRO PASSO: APRENDA COMO RESPIRAR
SHAVASANA
Deitado, com as costas no chão e abdômen para cima, dê uma distância de um a dois palmos entre os calcanhares, e deixe as palmas das mãos para cima. Coloque uma música relaxante e preste atenção na música. O praticante pode perceber, também, as partes do corpo e tentar observar se existe tensões nessas regiões. Observe como estão os pés, costelas, mãos, dedos e músculos da face. Busque relaxá-los durante a prática
RESPIRAÇÃO ABDOMINAL
Sentado ou deitado, com joelhos dobrados e pés no chão, coloque as palmas da mão sobre a barriga, na altura do umbigo. O ar entra confortável pelas narinas e a barriga expande. Quando o ar sai, a barriga desce. O praticante pode fazer esse exercício de três a 10 minutos. Se tiver dificuldade para dormir, é um ótimo exercício para relaxar e adormecer com mais facilidade.
IMÓVEL
Sentado numa cadeira, com as costas bem acomodadas e pés no chão e as mãos sobre as coxas, feche os olhos, deixe a respiração livre e tente ficar confortável e imóvel. Esse exercício serve para acompanhar o ritmo interno e perceber se um assunto aparece com mais frequência. Assim, você consegue entender o que precisa e pode mudar.
SEGURE A RESPIRAÇÃO
se for possível e você não sentir nenhum tipo de desconforto, puxe o ar por três segundos, prenda por outros três segundos e solte pelas narinas pelo dobro do tempo – seis segundos – para esvaziar todo o pulmão.