Em prisão domiciliar, ex-ministro Geddel Vieira Lima tem suspeita de tumor

Além de ter testado positivo para covid-19 no dia 8 julho – o que foi negado pelo exame de contraprova realizado três dias depois – enquanto estava no  Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), preso desde julho de 2017 por lavagem de dinheiro e organização criminosa, também está com suspeita de outro problema de saúde: um tumor. A informação foi confirmada ao CORREIO por uma fonte próxima que pediu para não ser identificada. 

A fonte confirmou que Geddel já tinha a suspeita de tumor no intestino antes de vir para a Mata Escura. A suspeita chegou após uma colonoscopia, exame que captura imagens em tempo real do intestino grosso e de parte do íleo terminal (a porção final do intestino delgado). Nos próximos dias, Vieira Lima deve fazer novos exames para confirmar o tumor e identificar se é benigno ou maligno.

Geddel foi para prisão domiliciar nesta quarta-feira (15) após a apresentação de um relatório médico, encaminhado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli. Em sua decisão, Toffoli justifica a concessão da prisão domiciliar para Geddel devido ao “agravamento do estado geral de saúde do requerente, com risco real de morte reconhecido”.

Prisão domiciliar
Geddel deixou o complexo penitenciário da Mata Escura no início da tarde, às 13h05, para cumprir prisão domiciliar sob monitoramento de tornozeleira eletrônica em sua casa, no edifício Condomínio Pedra do Valle, no bairro do Chame Chame, em Salvador. Ele chegou em sua residência às 13h30, em um carro Audi cinza – avaliado em quase R$ 700 mil reais – dirigido por seu advogado Gamil Foppel. 

Geddel vai ficar em apartamento em condomínio no Chame Chame
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Os portões do prédio foram abertos antes mesmo de sua chegada, para evitar aglomeração dos repórteres. Dois moradores apareceram timidamente na janela das varandas, mas, com exceção dos jornalistas, a rua estava vazia quando ele chegou. Um primeiro carro, um Audi branco, que seria de um outro advogado que acompanha o caso, entrou no condomínio 5 minutos antes. Após 15 minutos no local, os veículos deixaram o prédio sem falar com os jornalistas.

Apesar do pouco movimento na rua, algumas poucas pessoas que passavam em frente ao prédio do ex-ministro não deixaram de emitir suas opiniões. “Viva o Brasil!”, gritou um senhor, enquanto dirigia. “Ladrão, cadê o dinheiro, ladrão?!”, berrou uma mulher, olhando para os andares de cima. “Isso é uma vergonha nacional, vai cumprir pena em sua varanda”, disse um homem ao filmar o condomínio.

“Isso mostra o quanto o rico move o país, não é novidade pra ninguém. Todos os políticos desonestos têm que morrer”, opinou Laureano Leal, 40 anos, que é gerente de um posto de gasolina da região e favor da pena de morte no Brasil. Até um morador de rua, que curtia a sombra da árvore diante do condomínio, falou: “É… esse aí tem dinheiro, mas não quer nem aparecer na janela”. 

No restaurante ao lado, estava o funcionário Antônio Tavares, 66, que presenciou também a prisão do ex-político no mesmo apartamento, em 2017. “Tem que mudar as leis e condenar as pessoas no momento certo. O STF só faz leis para eles mesmos. A justiça está toda errada”, julgou Tavares a respeito da mudança de regime, por decisão emitida nesta terça-feira (14), às 23h53, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. “Do jeito que está, a gente fica desacreditado”, completa Tavares. 

O estudante de medicina Ademir Batista, 48, que fazia a retirada de seu almoço no restaurante, avalia a decisão como injusta. “A prisão está cheia de obesos, pessoas com problema cardíaco, com problema renal e hipertensão. Por que ele tem que ser privilegiado?”, indaga o estudante. “Se fosse justo, seria para todos. Mas só é justo pra quem tem dinheiro, para o pobre, não”, completa Ademir. 

O motorista de Uber Antoniel Araújo, 38, que se encontrava na rua do apartamento, é mais um que discorda da mudança de regime. “Acho que é um erro, porque foi comprovado que ele cometeu crimes e quem pega o dinheiro do outro merece pagar”, diz o motorista. Antoniel ainda pontua que o melhor é que a pena seja cumprida na prisão, afastado da sociedade. “Se ele está em casa, ele pode exercer seu poder”, justifica. 

Após o ministro Dias Toffoli liberar Vieira Lima para cumprir pena em casa, a tornozeleira já estava reservada para ele no início da manhã, segundo o secretário Nestor Duarte da SEAP (Secretaria de Administração Penitenciária). Porém, mesmo que a decisão de Toffoli tenha tido força de alvará de soltura, não constava o endereço que Geddel iria ficar. Por isso, foi preciso esperar mais algumas horas na penitenciária de Mata Escura até que a juíza Maria Angélica Carneiro, da 2ª Vara de Execuções Penais, expedisse a liberação do preso. A decisão chegou às 12h01 para o superintendente da unidade, o coronel Júlio César.

O superintendente explica que o mandado que pediu para soltar Geddel teve execução imediata, portanto, ele não precisou passar pelo exame de corpo de delito. Além disso, o ex-político já tinha feito uma avaliação médica na terça-feira (14), através da qual foi enviado um relatório médico ao ministro Dias Toffoli, que o recebeu por volta de 15h da terça-feira. Foi a partir desse relatório, que indicou quadros grave de pressão alta, diabetes, depressão e até a suspeita de um tumor, que Geddel conseguiu deixar o complexo prisional. A defesa também alegou que por conta dessas comorbidades e por ser idoso, portanto, grupo de risco, seria melhor que o regime passasse para domiciliar. 

Ainda não se sabe quanto tempo ele vai cumprir a pena de casa. Inicialmente, o período é de 90 dias conforme recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mas pode ser renovado. Procurado, o advogado Gamil Foppel disse por ligação que iria responder as perguntas por mensagem, mas não as respondeu antes do fechamento desta reportagem.

Geddel ocupou a vice-presidência de Pessoa Jurídica (2011-2013 – governo Dilma Rousseff) da Caixa Econômica Federal e foi ministro da Secretaria de Governo de Temer, assim como ministro da Integração Nacional (2007-2010) no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. 

Cronologia do caso

3 de julho 2017 – Geddel foi preso preventivamente na Bahia e levado para o presídio da Papuda, em Brasília. Ele foi acusado pelo MPF (Ministério Público Federal) de atrapalhar investigações da Operação Cui Bono, que apura fraudes na liberação de crédito da Caixa Econômica Federal. Geddel teria recebido mais de R$ 20 milhões do doleiro Lúcio Funaro em troca de liberar empréstimos a empresas do Grupo J&F. As investigações da Polícia Federal e do MPF apontam que Geddel e o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) atuaram na liberação de ao menos R$ 1,2 bilhão em empréstimos para empresas, em troca de propina. Segundo o MPF, Geddel tentou garantir que Cunha e Funaro recebessem vantagens indevidas para não fazer delação premiada, além de “monitorar” o comportamento do doleiro para constrangê-lo a não fechar o acordo

14 de julho de 2017 – Geddel foi encaminhado para prisão domiciliar porque o desembargador Ney Bello Filho, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, não viu motivos para a medida. A PF nem a SEAP possuíam tornozeleiras eletrônicas para monitorar o preso

5 de setembro de 2017 – a PF encontrou malas com R$ 51 milhões de reais em um apartamento atribuído a Geddel. O proprietário, Sílvio Silveira, declarou que emprestou o imóvel ao ex-ministro, que teria pedido para guardar pertences do pai, morto em 2016.

8 de setembro de 2017 – Geddel Vieira Lima (PMDB) foi preso preventivamente de novo no condomínio Pedra do Valle, em Salvador, onde ele cumpria prisão domiciliar desde julho. A nova prisão teve como base a apreensão dos R$ 51 milhões, onde foram encontradas as digitais de Geddel nos sacos que envolviam as cédulas. A ordem de prisão foi assinada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal alegando que Geddel Vieira Lima retornasse para a cadeia pois há eventual risco de “destruição de elementos de provas imprescindíveis à elucidação dos fatos”. Ele voltoui para o presídio da Papuda, em Brasília

8 de maio de 2018 – A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido de liberdade da defesa de Geddel e decidiu, por unanimidade, manter na cadeia o ex-ministro

22 de outubro de 2019 – STF condena Geddel a 14 anos e 10 meses pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, assim como seu irmão, Lúcio Vieira Lima, a 10 anos e 6 meses de prisão, que responde em liberdade

20 de dezembro de 2019 – Geddel foi transferido para Centro de Observação Penal do Complexo Penitenciário da Mata Escura. A defesa alegou que a família dele mora na capital baiana

26 de junho de 2020 – o ministro do STF Edson Fachin negou o pedido da defesa de Geddel Vieira Lima para a progressão de pena para a prisão domiciliar 

8 de julho de 2020 – Geddel testou positivo para covid-19 pelo teste rápido

11 de julho de 2020 – Geddel testa negativo para covid-19 pelo teste swab nasal. O resultado da contraprova foi divulgado pelo secretário Nestor Duarte, da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia (Seap)

15 de julho de 2020 – Geddel é liberado novamente para cumprir pena em prisão domiciliar, alegando que tem doenças graves e o colocam em grupo de risco

*Sob orientação da subeditora Clarrisa Pacheco