Prestes a formar, turma de Medicina da Ufba planeja retomar aulas presenciais

Os concluintes do curso de medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) podem ser os primeiros alunos da instituição a ter a volta às aulas presenciais autorizadas durante a pandemia do novo coronavírus. O retorno estava programado para acontecer nessa próxima segunda-feira e era dado como certo pelos formandos. Teve até aluno que comprou equipamentos de proteção individual e programou retorno para Salvador nesse final de semana. No entanto, a reitoria da Ufba negou que haja a possibilidade da volta tão cedo.  

 O CORREIO conversou com alguns estudantes, que não quiseram se identificar, e teve acesso à troca de mensagens que o grupo teve com os representantes da Faculdade de Medicina da Bahia. A ideia da volta às aulas presenciais partiu de alguns alunos da turma, que estão desde março sem nenhuma atividade acadêmica e desejam se formar logo, segundo eles, para atuar como médicos na pandemia. 

A turma é composta por um grupo de 70 alunos, cuja a maioria ingressou na universidade no semestre  de 2014.2 e tinha como previsão de formatura em agosto de 2020. Essa última fase do curso é conhecida como internato hospitalar, espécie de estágio que o estudante realiza em hospitais. Nesse caso, o internato da turma concluinte seria realizado apenas no Hospital das Clínicas, que é vinculado à Ufba e não é uma unidade de referência para pacientes com covid-19.  

Internato
Uma portaria do Ministério da Educação de 6/4, válida enquanto durar a situação de emergência, autoriza a formatura antecipada dos estudantes de medicina com pelo menos 75% do internato. 
No entanto, os alunos da turma explicaram que nem todos que estão no último semestre conseguiram atingir essa meta. Um estudante que preferiu não se identificar explicou que essa diferença entre alunos da mesma turma acontece devido às diferentes disciplinas que  podem cursar durante o período. 

Segundo o painel de monitoramento das ações de combate ao novo coronavírus realizadas pelas instituições de ensino superior, mais de 5 mil estudantes tiveram a formatura antecipada em todo Brasil, mas somente 204 na Bahia.  “Queremos voltar para terminar logo, mas tem o medo da contaminação”, disse outro estudante. 

Numa reunião realizada no dia 22/6 com a comissão do internato e o colegiado de medicina, todos os presentes votaram a favor do retorno das atividades da turma concluinte. Depois, no dia 30, em e-mail enviado pela representante da comissão do internato, a professora Suzy Cavalcante escreveu que apenas os alunos que desejarem poderão ser testados para a covid-19.  “O teste não tem valor diagnóstico, mas sim epidemiológico, portanto, não será a testagem considerada requisito para ingresso no internato”, disse. Isso significa, em termos simples, que o teste dos alunos não é obrigatório, realidade que assusta alguns membros da turma. “Se um colega não fizer o teste e tiver o vírus, poderá passar para os outros”, disseram.  

Treinamento 
Suzy também descreveu como vai ser o treinamento que os alunos devem passar nos primeiros dias de retorno das aulas, mesmo sem data prevista. Esse treinamento foi dividido em básico e avançado. No primeiro, que será aplicado nos quatro primeiros dias do retorno, envolve a lavagem de mãos, paramentação e desparamentação.  No segundo, que deve ocorrer ao longo de todo o mês de julho, os estudantes aprenderão sobre pré-oxigenação, indução anestésica, intubação orotraqueal, ventilação mecânica inicial e ressuscitação cardiopulmonar. 

Ainda nas mensagens que o CORREIO teve acesso, o fluxo de dispensação de EPIs determinado para os internos é que cada um receba apenas duas máscaras por dia, uma para cada turno de atividade. Isso fez com que alguns estudantes se organizassem para adquirir seus próprios materiais. “Eles divulgaram que iam dar suporte, mas a gente convive naquele hospital há cinco anos e sabe de suas mazelas. Quem tem condições, providencia seu material mas a gente sabe que nem todo aluno tem. Nós não receberemos nenhum auxílio”, disse uma estudante.

 Para ela, a volta às aulas já nessa segunda-feira pode ser um caso de desigualdade social:  “É injusto que um colega tenha condição de alugar um quarto de hotel para passar esse período de internato e outros tenham que viver esse período junto com a família, colocando vidas em risco”.

 Procurada, a professora Suzy Cavalcante não deu retorno. Em nota, a Administração Central da Ufba informou que tomou conhecimento da solicitação dos estudantes, mas que qualquer decisão acerca da retomada de atividades acadêmicas e administrativas só será válida após aprovação dos conselhos da universidade.  

Já a Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), também em nota, disse que “não funciona descolada do resto da universidade”. O aluno da Ufba que representa a turma e mediou o contato dos estudantes com a Fameb para que houvesse volta às aulas, não aceitou a divulgação de sua entrevista ao CORREIO.  

Relembre 
Em entrevista ao CORREIO divulgada no último domingo (5), João Carlos Sales, reitor da Ufba, disse que “estamos no momento de mobilizar a retomada, para que ela seja bem debatida e ocorra da melhor maneira”. O reitor afirmou que um projeto de retomada deve ser apresentado nos próximos dias, o que foi confirmado pela assessoria da universidade.  

“A UFBA está finalizando uma pesquisa para saber as condições de trabalho e estudo remoto da comunidade universitária, a fim de subsidiar uma proposta unificada, inclusiva e adequada ao quadro da pandemia. Essa proposta deverá ser apresentada em breve, para então ser debatida por todas as instâncias da Universidade, antes de ser apreciada pelos conselhos superiores, em reuniões ainda sem data definida”, diz a nota.  

Ainda na entrevista, o reitor disse que o retorno, se possível, será online e a universidade tenta conseguir recursos para garantir acessibilidade de todos os alunos – em média, cursos de graduação e pós-graduação têm 44.658 estudantes. Sales disse ainda que o retorno das aulas presenciais, antes de haver respaldo científico, está completamente descartado. 

No início da interrupção das aulas, em março, questionários aplicados pela Ufba escancaram o abismo social dentro da universidade: mais de 50% dos alunos não têm acesso a tecnologias digitais – de computadores à internet de qualidade.  

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.