Casos de covid-19 crescem até 200% em cidades com tradição de São João

Mesmo com o cancelamento das festas de São João por causa da pandemia, ainda houve um movimento de gente em direção ao interior da Bahia. O resultado desse fluxo junino chegou agora, duas semanas depois, estampado nos boletins epidemiológicos. Cidades como Senhor do Bonfim, Cruz das Almas, Amargosa, Santo Antônio de Jesus, Ibicuí e Mucugê, tradicionalmente conhecidas pelas festas, apresentaram alta de casos de covid-19

O maior percentual foi em Mucugê, que cresceu 200%. Localizado na Chapada Diamantina, o município de pouco mais de 9 mil habitantes saltou de 4 para 12 infectados. Em números absolutos, a maior alta aconteceu em Santo Antônio de Jesus, que foi de 253 para 571. De 21 de junho até esta segunda-feira (6), a Bahia subiu de 46,2 mil para 88,2 mil casos acumulados. De modo geral, houve aumento percentual de mais de 90% neste período. 

Segundo o governador Rui Costa (PT), prefeitos com quem ele tem conversado apontaram que a festa acabou provocando uma multiplicação dos casos, apesar da divulgação de campanhas que incentivam o isolamento social e combatem as aglomerações. 

“[O São João] Foi o fator mais relevante nestas conversas que tive com os prefeitos. Muitas pessoas se encontraram nas suas casas, sítios, comunidades, mesmo em família ou com amigos, para fazer algum tipo de confraternização. Em grupo familiares, quase 100% das pessoas foram contaminadas ao ter contato com algum infectado. As taxas neste período pós-São João foram bastante expressivas”, pontuou Rui, em entrevista conjunta com o prefeito ACM Neto (DEM), nesta terça-feira (7).

Senhor do Bonfim 

Em Senhor do Bonfim, no Centro-Norte da Bahia, o número de infectados pulou de 86 para 167 nestes 15 dias. O prefeito Carlos Brasileiro (PT), no entanto, discorda do governador e não atribui o aumento de casos à festa junina, e sim a uma maior testagem da população. Segundo ele, a gestão municipal já fez mais de 3,3 mil testes rápidos desde o fim de abril. 

Dos 167 casos confirmados por lá, 78% foram profissionais da saúde e 114 deles já estão recuperados, enquanto duas pessoas morreram. Outros 176 casos de sintomas leves ou assintomáticos estão em monitoramento. 

O prefeito, que já reabriu o comércio três vezes na cidade, vê os números como positivos, pois já são três meses de pandemia na cidade de cerca de 79 mil habitantes. Brasileiro ainda diz que o movimento no São João foi bem menor que o normal, mas pelo menos nove fogueiras foram desmontadas nas ruas — geralmente é em torno de 100 — e um grupo de 11 a 12 pessoas foram vistas fazendo guerra de espadas. 

“Sempre tem uns rebeldes, mas [o São João deste ano] foi bem tranquilo. A gente fez um trabalho educativo buscando conscientizar a população”, avaliou o prefeito. 

De acordo com o último boletim semanal divulgado na sexta-feira (3), a taxa de ocupação no sistema de saúde de Bonfim — tanto no privado quanto no público — está em apenas 7,3%. Os leitos, porém, não são de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

No Centro de Tratamento ao Covid-19 existem 32 leitos, 20 deles com respiradores. Já na rede privada, são 9 leitos disponíveis deste tipo. Os pacientes que têm quadros mais graves devem, portanto, ser transferidos para cidades com maior capacidade. Até agora, duas pessoas foram transferidas para Salvador e uma terceira para Petrolina, em Pernambuco. 

Morador de Senhor do Bonfim, Jadeson Araújo conta que foi possível notar a presença de turistas durante o período. Segundo ele, deu para perceber reconhecendo os rostos de pessoas que atualmente já não moram na cidade, pelos sotaques e até pela maneira de se vestir. 

A cidade não deixou de receber gente de fora, eu percebia de longe a aglomeração no centro da cidade. O pessoal que vem de fora deveria ter a consciência que, além de estar expondo sua saúde em risco, pode colocar em risco a saúde de todos os seus familiares também, tem que ter mais amor ao próximo e respeito à quarentena”, defende.

Amargosa

A situação em Amargosa, no Centro-Sul baiano, também foi de crescimento de casos após o período junino, saltando de 23 para 59 infectados, um aumento de mais de 156%. O fenômeno já era previsto, afirma o prefeito Júlio Pinheiro (PT), que acredita que estes novos casos que surgiram de lá para cá têm mesmo relação com a data. 

“Vislumbrávamos isso por causa da tradição de viajar mesmo sem ter festa. Imediatamente, providenciamos uma ação para ampliar as barreiras sanitárias nas entradas da cidade”, relata Pinheiro. A prefeitura da cidade solicitou ao governo estadual ampliação do efetivo de policiais militares para ajudar no controle de acesso ao município. As barreiras ficaram funcionando em regime de 24h durante os dias tradicionais para evitar que os teimosos tentassem entrar na cidade durante a madrugada.

Ainda assim chegou ao conhecimento da prefeitura que houve ocorrências de gente que driblou a fiscalização ingressando na cidade por vias marginais e através da zona rural. “Entraram, inclusive, com a colaboração de outros moradores da cidade. Soubemos de reuniões de amigos, de famílias e era algo que a gente temia e fizemos um duro de trabalho de conscientização. A gente sabe que quando se está em família pode ter um relaxamento  do distanciamento, os abraços, o tempo prolongado juntos”, acrescenta.

Desde então, a prefeitura diz ter aumentado a equipe da vigilância epidemiológica e flexibilizou os critérios de testagem de cidadãos. Antes, só eram submetidos aos exames pessoas que tiveram contato direto com caso confirmado e que apresentassem sintomas gripais. Agora, podem passar por testes todos os que tiveram contatos, mesmo assintomáticos.

Cruz das Almas

Passado o São João, a prefeitura de Cruz das Almas até alterou a forma de divulgação do boletim epidemiológico, que passou a ser mais detalhado. Na segunda-feira, o informativo diário citou que dos 141 infectados com covid-19 na cidade, 21 casos tiveram visitantes como fonte de contaminação. Antes da festa, a gestão municipal havia usado as redes sociais para divulgar a campanha “Neste São João não tem caminho da roça, fique em casa”, mas não adiantou.

O CORREIO tentou falar por telefone com as administrações municipais de Cruz das Almas, Santo Antônio de Jesus, Ibicuí e Mucugê, mas estas não atenderam às ligações ou não responderam aos questionamentos da reportagem feitos por e-mail.

Crescimento nas cidades baianas

*Sob supervisão da subeditora Clarissa Pacheco