O dilema que o auxílio emergencial criou ao governo

Ana Flor e Octavio Guedes analisam os impactos do auxílio emergencial no Nordeste
O governo vive um dilema trazido pelo Auxílio Emergencial de R$ 600, prorrogado nesta terça-feira (30) por mais dois meses.
De um lado, há o ganho político e de popularidade do governo, em especial entre as pessoas beneficiadas pela ajuda criada para quem perdeu renda durante a pandemia do novo coronavírus.
Pesquisas mostram que a aprovação do governo cresceu entre o extrato da população que recebe a ajuda. No Nordeste, região do país onde Bolsonaro não teve a maioria dos votos em 2018, sua aprovação teve crescimento acima de 10%.
O efeito auxílio emergencial vai além de quem recebe: comerciantes, prefeitos e até governadores reconhecem que os recursos distribuídos aos mais vulneráveis são um alívio para a iminente recessão econômica.
Em abril, mês em que a ajuda começou a ser paga, integrante da equipe econômica relatava ao blog efeitos percebidos da injeção de recursos em cidades onde boa parte da população recebia Bolsa Família. De uma média de R$ 190 de benefício, os valores saltaram para R$ 600 e até R$ 1,2 mil, no caso de mães chefe de família.
Uma preocupação com a inflação de alimentos já estava no radar de economistas – apesar de o Brasil registrar dois meses seguidos de deflação, o preço dos alimentos acumula alta de 3,7% no ano, segundo o IBGE. Este indicador pesa em especial para as famílias mais pobres, que tem boa parte de sua renda comprometida com alimentação.
Do outro lado da moeda está a pressão populista e política pela manutenção de um auxílio tão amplo e com impacto grande nos cofres públicos.
Enquanto o Bolsa Família custa R$ 30 bilhões ao ano, cada mês do auxílio emergencial tem impacto de R$ 50 bilhões ao caixa do Tesouro Nacional, segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente do Senado.
É de esperar que a oposição peça mais um ano de auxílio emergencial de R$ 600, sem dizer de onde sairiam os recursos. O problema é o populismo germinar entre integrantes do governo.
Os gastos do governo, tanto o déficit que se repete há seis anos quanto os valores extras para fazer frente à pandemia em 2020, são financiados com aumento de dívida pública.
A dívida vinha em trajetória de controle, mas explodiu neste ano e deve ultrapassar os 90% do PIB – percentual altíssimo para um país emergente.
Se o governo começar a ter dificuldade em financiar uma dívida explosiva, aumento de juros e a volta da inflação serão consequências inevitáveis que chegarão rápido. Mais uma vez, a parcela mais pobre e vulnerável da população seria a maior penalizada.
Por isso, a equipe econômica corre para negociar com o Congresso Nacional um novo plano de renda mínima, com valores maiores que os do Bolsa Família e mais abrangente.
A negociação será dura, porque outros programas de benefícios terão que ser unificados. Aumentar os gastos sem tirar de outras áreas seria obrigar os brasileiros a aceitarem um aumento de impostos – o custo do Estado hoje já é de uma carga de impostos de quase 40%.
A pandemia mudou as prioridades nacionais e já deixa mais de 60 mil vidas perdidas. Que ela possa ao menos levar a uma discussão séria, sem populismos, sobre como reforçar a rede de proteção às pessoas desassistidas sem jogar fora as conquistas na estabilidade econômica dos últimos anos.