O dia em que a Legião Urbana “invadiu” o Circo Troca de Segredos, em Salvador

Legião Urbana

Era a última segunda-feira do mês de novembro de 1985, eu estava na redação do então Correio da Bahia, na Av. Paralela quando, de repente, o telefone toca. É seu Osmar (nessa época pouca gente me chamava de Marrom). Eu respondi que sim. Era o porteiro do Circo Troca de Segredos, localizado na Ondina, querendo saber quando eu iria colocar à venda os ingressos para o show da Legião Urbana que iria se apresentar lá na sexta-feira seguinte. A banda formada por  Renato Russo, Renato Negrete (ambos já falecidos), Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá se apresentaria pela primeira vez na capital baiana, embalada pelo sucesso da música Será.

Imediatamente liguei para a produtora Nena Barbosa que tinha me chamado para fazer a produção desse show; peguei meu carro e fui direto para meu apartamento no Rio Vermelho pegar os ingressos. De lá fui para o circo. Quando cheguei, em menos de uma hora, já tinham sido vendidos cerca de mil convites. O espaço cabia no máximo 3  mil pessoas. 

Com essa demanda resolvemos abrir a bilheteria diariamente. Quando chegou no dia do show em 1º de dezembro de 1985 não tinha mais um ingresso disponível. Na hora do show, o circo abarrotado. Mais de duas mil pessoas do lado de fora implorando por um ingresso. Era humanamente impossível.

O público estava impaciente e queria entrar de qualquer maneira. Tivemos que reforçar a segurança pois estávamos com todo o dinheiro na bilheteria porque teria que prestar conta à produção da banda que viajaria no dia seguinte, não hesitei. Chamei Sidney que estava me ajudando na bilheteria, recolhemos o dinheiro numa sacola e fomos para o hotel porque estávamos mais seguros.

Passamos a maior parte da noite contando os ingressos depositados na urna separando as notas e arrumando em maços para fazer a entrega – nessa época não tinha essas modernidades de pagamentos eletrônicos e afins. Tudo resolvido deixamos no quarto do hotel e voltamos para o show. Ainda pegamos uma boa parte. Foi lindo. A plateia quente, generosa, cantava todas as músicas do disco e Renato Russo e trupe pareciam felizes. No dia seguinte era o comentário na cidade. E o Legião voltou muitas vezes aqui já em esquema mega se apresentando em grandes espaços para 10 mil pessoas.

Foto: Acervo Pessoal

Mas essa apresentação em Salvador tem outra história. Antes da produção ir parar nas mãos de Nena Barbosa, esse show foi oferecido a vários produtores locais que não botaram fé. Até que o staff da Legião, que queria de qualquer maneira se apresentar aqui, combinou que a produção local teria apenas que marcar a data no circo, reservar o hotel e o som. Todas as despesas seriam deles. E caso desse lucro os produtores locais ganhariam um percentual. Se desse prejuízo a produção estava isenta. Foi aí que Nena topou e me chamou. Só tínhamos conhecimento e prestígio. Dinheiro nenhum. Aceitamos o desafio e no outro dia também sorrimos bastante com o sucesso.

Já conhecido por seu jeito reservado, nosso contato com Renato Russo foi bem formal. Fomos buscar a banda no aeroporto. Levamos ao hotel, acertamos a logística de passar o som, marcar horário do carro pegá-los e levá-los ao circo. Enfim, tudo profissional. Até porque não tínhamos intimidade com ele e foi mais prudente cada qual ficar no seu quadrado. Assim foi feito, deu tudo certo fizemos nossa parte da melhor maneira possível.

O Circo Troca de Segredo foi um marco na cultura baiana nos anos 1980. Um espaço onde se apresentaram grandes artistas da música brasileira. Alguns já consagrados. Outros começando. Foi um sonho que surgiu no Verão de 1983 e durou cinco anos, tocado por Paulo Conde, Caco Monteiro, João Elias e Tereza Oliveira. Caetano Veloso fez o show inaugura com voz e violão e depois dai passaram Eduardo Dusek, Ira, Plebe Rude, Lobão e os Ronaldos, Titãs, Barão Vermelho, Luiz Caldas, Margareth Menezes.

Aliás Margareth é um capítulo à parte nessa história do circo. Ela além de se apresentar no espaço, durante um bom tempo se juntou à trupe dos organizadores e trabalhou muito com a galera. Tanto como atriz como na produção. Ou seja, Maga já se virava desde aquela época. Para quem não viu o circo, ele ficava armado onde hoje tem um pequeno campo atrás de uma lanchonete que fica aberta 24 horas bem próximo do Ondina Apart Hotel.