“Jornalistas incompetentes”
Foi Zagalo que disse, há meio século, por esta mesma época, quando a seleção brasileira de futebol iniciava a sua escalada rumo ao tricampeonato, após a sua estreia contra a Tchecoslováquia, em 03 de junho de 1970, com vitória de 4 x 1: a disciplina e velocidade era a principal característica do combinado da cortina de ferro, em contrapartida ao futebol alegre e vistoso do time comandado por Mário Lobo Zagalo, que se excedia no vocabulário, como o fez outras vezes ao longo de sua carreira.
Zagalo estava aborrecido, não apenas com a imprensa, mas com o mundo. Nos bastidores, confidenciava a jornalistas a mágoa de não ter recebido sequer um telegrama de estímulo do Botafogo, seu time, diferente de outros clubes e outras instâncias esportivas do país que, nesse sentido, se manifestaram. Viajou para o México, sede do mundial, na expectativa de reaproximar o time com a sua torcida e em especial com os formadores de opinião que antes do embarque para a América Central não apostavam um tostão na seleção canarinho.
O que Zagalo disse exatamente em polêmica entrevista foi: “Eu não me nego a dar informações, mas sei de alguns jornalistas incompetentes, ou irresponsáveis, que transmitem imprecisões”. Em parte, tinha razão. A imprensa brasileira tocava o samba de uma nota só, remoendo as mágoas da derrota de Wembley, na Copa de 1966; o noticiário pautado pelo espírito de revanche, extensivo ainda à seleção azurra, os uruguaios, os nossos algozes em 1950. A vingança, o troco, era o tema por excelência, considerando a coincidência de se bater com os adversários nas quartas de final e, nas semifinais, respectivamente.
Em contrapartida, a imprensa internacional, no decorrer dos jogos, se rendia à técnica do futebol sul-americano em comentários exaltados do tipo “O Brasil jogou como se fosse um time de piranhas”, do “Kurier” de Viena, ou “Parece que jogam sobre as nuvens, alegres e felizes” no Le Stampa da Itália, ou mesmo, “como se pronuncia Pelé? D.E.U.S, do Sunday Times de Londres. Exagerados, porém, encantados com a nossa seleção que os brasileiros tiveram a chance de assistir pela primeira vez na TV, em tempo real, e não como no passado em videotape, exibido no dia seguinte.
A transmissão televisiva quase não aconteceu, no intricado jogo de egos e interesses das Redes Tupy e Globo que tinham adquirido os direitos de transmissão e a pressão do governo que cancelou o contrato deles com a Televisa; foram obrigados a incluir a Rede Record a um custo além do previsto inicialmente. O consórcio compulsório obteve um contrato com a Caixa Econômica, cancelado pelo governo dois meses antes do início da Copa. Recorreu, então, à iniciativa privada, por intermediação das agências de publicidade McCann-Erickson e da J.W. Thompson.
E assim, 30 milhões de brasileiros (dos ”90 milhões em ação” do famoso jingle de Miguel Gustavo) em 4,6 milhões de aparelhos de TV em uso, na época, assistiram as bravatas de Zagalo e, os jogos da Copa, com nove narradores, três de cada Rede, em sistema de rodízio; nenhum deles poderia aparecer no vídeo e em hipótese alguma citar a sua própria emissora. Nos bastidores da mídia o jogo foi pesado, caneladas lá e cá, mas valeu a pena.