Tensão entre Bolsonaro e STF amplia polarização política e dá poder ao “centrão”

SÃO PAULO – O avanço de investigações contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e aliados políticos elevou o nível de tensão entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal nos últimos dias.

O movimento coincide, contraditoriamente, com esforços iniciais do governo federal em construir um canal de diálogo com lideranças relevantes no parlamento em busca de apoio.

Novas manifestações em tom crítico ao Poder Judiciário e ao Congresso Nacional foram realizadas por simpatizantes ao presidente no último fim de semana – o que tem acontecido com frequência desde 15 de março.

Os novos movimentos ocorreram em resposta às operações de busca e apreensão autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito das fake news.

Na madrugada de domingo (31), um grupo de extrema direita, com pessoas mascaradas carregando tochas, protestou em frente ao STF. Horas depois, novos atos em defesa ao presidente e críticos ao Judiciário e ao Legislativo foram realizados. Bolsonaro sobrevoou a mobilização de helicóptero e depois foi andou a cavalo ao lado dos apoiadores.

Desta vez, porém, os atos tiveram resposta de mobilizações de torcidas organizadas em mobilizações autointituladas em defesa da democracia, além de uma série de manifestos assinados por grupos de distintos matizes ideológicos nos jornais e nas redes sociais, resgatando a mensagem histórica das Diretas Já.

“A polarização que ganhou às ruas nesse final de semana poderá ter novos desdobramentos nas próximas semanas. Os tradicionais atos de simpatizantes de Jair Bolsonaro continuarão ocorrendo”, pontuam os analistas políticos da consultoria Arko Advice.

“Por outro lado, as forças de oposição devem começar a fazer o mesmo. Estes protestos num clima de polarização e embates entre o governo com o STF aumentam o risco de conflitos nas ruas, como o ocorrido em São Paulo”, complementam.

Os especialistas esperam um aumento nas tensões institucionais, na medida em que Bolsonaro e seus aliados intensificam as críticas aos ministros do STF. Uma ruptura institucional, no entanto, é considerada pouco provável pelos analistas: 10%, com viés neutro.

Como efeito colateral do tensionamento, espera-se um acompanhamento implacável da agenda legislativa do governo pelos magistrados, como ocorreu em restrições a medidas provisórias e até com a suspensão à nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal.

Outra consequência seria um custo mais elevado para o apoio já buscado pelo presidente no Congresso Nacional. “Os diversos setores do ‘centrão’ sabem que a pressão por investigações contra os Bolsonaro e seus aliados imporá um custo político adicional. Esfregam as mãos de satisfação”, observam.

Enquanto estica a corda com o Supremo, o governo tem buscado melhorar o nível de interlocução com o parlamento, a partir da oferta de cargos na administração pública em troca de apoio – ainda não há clareza se o endosso apenas garantiria a sobrevivência do presidente ou maiores chances para determinadas proposições.

Resultados iniciais foram observados durante a votação da MP 936, que permite a redução de salários e da jornada de trabalho e até a suspensão temporária de contratos de trabalhos, em plenário, na semana passada.

O “centrão” foi capaz de reverter uma alteração imposta ao texto pelo relator, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que elevaria o impacto fiscal da medida e contrariava a equipe econômica. Uma emenda foi apresentada pela liderança do PP e apoiada por 132 votos dos 172 do grupo – o que foi suficiente para recuperar o trecho original.

Em outro destaque, o grupo conseguiu, com 148 votos, evitar a obrigatoriedade da participação de sindicatos em rescisões contratuais. Os números deram ânimo ao governo, embora ainda não possam indicar a existência de uma efetiva base governista no parlamento.

O que se sabe até o momento é que o grupo já tem sido agraciado pelo Diário Oficial da União. Indicados do “centrão” passaram a comandar a diretoria de ações educacionais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), a direção do Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra Secas) e a secretaria de Mobilidade do Ministério de Desenvolvimento Regional.

“O ‘Centrão’ é decisivo para a sobrevivência do governo. Além de garantir alguma governabilidade, levando-se em conta que o apoio não é irrestrito, também pode evitar o avanço de eventuais processos de afastamento compulsório de Bolsonaro da presidência”, dizem os analistas da Arko Advice.

“Por si só, o bloco poderia barrar qualquer iniciativa nesse sentido, já que possui o número exato de votos necessários para tal (172). Porém, não há unanimidade interna em favor da aliança com o governo. Dessa forma, o presidente teria que buscar a complementação em outros partidos de centro e de direita, o que no quadro atual não seria algo complicado”, explicam.

A aproximação com as lideranças do “centrão” ajuda a amortecer parte dos embates travados com o STF. Na medida em que avançam investigações contra Bolsonaro e seu entorno – sobretudo nos inquéritos das fake news e da suposta interferência sobre a Polícia Federal –, mais alto é o tom adotado pelo presidente.

“A pergunta que fica é onde isso vai parar e o que quer o presidente com essas manifestações e enfrentamento ao STF”, afirma Paulo Gama, analista político da XP Investimentos.

O especialista cita uma série de postagens no Twitter em que Bolsonaro narra os episódios recentes. “Tudo aponta para uma crise”, disse o presidente em referência a decisões tomadas contra ele e seus aliados.

“O que isso quer dizer? O presidente vê se fechando contra ele um cerco e decide reagir e fazer um enfrentamento um pouco mais firme. É difícil prever se isso vai dar certo ou não, mas o fato é que ele toma isso como linha de ação”, pontua Gama.

A aposta na polarização foi arma importante do bolsonarismo até o momento, mas a combinação das crises sanitária, econômica e política pode produzir um novo efeito para tal estratégia. Recentes pesquisas indicam uma desidratação da imagem do governo em novas fatias do eleitorado. Para analistas, ainda é cedo avaliar até onde vai esse movimento, mas as apostas são de que o clima de tensão veio para ficar (pelo menos a curto e médio prazos).

Analistas da consultoria Eurasia Group sustentam que o cenário-base seria de um ambiente político instável por pelo menos o próximo ano, “e parte disso virá da pressão de outras instituições sobre um presidente encurralado”. Mas eles também acreditam que qualquer ruptura hoje é pouco provável.

Embora haja motivações de ambos os lados para uma elevação na temperatura, os especialistas acreditam que há uma preocupação entre os magistrados com possíveis descumprimentos de decisões por parte do presidente. Nesse sentido, o risco de uma perda de credibilidade do STF poderia estabelecer limites para a crise institucional.

Para eles, o Supremo deverá buscar um ponto de equilíbrio entre ceder à pressão do presidente e cruzar a linha vermelha que levaria a um resultado negativo ao tribunal.

“Embora as saídas extremas para a crise política – impeachment do presidente, cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pelo TSE ou algum tipo de golpe de estado – continuem improváveis, é elevado o risco de que ocorram novos episódios que levem a recrudescimento adicional da tensão política”, avalia Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores.

“O Supremo, após as ameaças de que foi alvo, muito provavelmente respaldará as ações e decisões de Alexandre de Moraes e Celso de Mello, Isso significará que os processos incômodos ao Planalto seguirão adiante. Quanto mais próximos chegarem de Bolsonaro e do núcleo familiar, maior será a chance de provocarem reações intempestivas”, conclui.

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